Faz parte do jogo político que um governador em fim de mandato, quando impossibilitado de concorrer à reeleição, exerça forte influência na escolha de seu sucessor. Mas toda regra tem exceção, como comprovam as últimas emblemáticas semanas da política fluminense. Emparedado pelo próprio partido, o PL, e por uma direita que no Rio de Janeiro ainda obedece ao apito de Jair Bolsonaro, o governador Cláudio Castro, cada vez mais enfraquecido politicamente, parece caminhar para o cadafalso em um arranjo político que ele mesmo montou – ou foi instigado a montar.
Pressionado a deixar o governo até o fim do ano, Castro vê seu campo político consolidar um acordo que, pelo menos por enquanto, o deixa fora da desejada disputa pelo Senado em 2026. Para buscar a permanência do grupo no Palácio Guanabara, o candidato escolhido por Bolsonaro para tentar reverter o favoritismo do prefeito do Rio, Eduardo Paes, do PSD, está definido. É o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar, do União Brasil, já alçado à condição de primeiro na linha sucessória após uma complexa negociação que envolveu tirar do caminho o vice-governador, Thiago Pampolha, do MDB, nomeado por Castro para ocupar uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado.
Sem Pampolha, o plano era que Castro se desincompatibilizasse do governo na data-limite, em abril do ano que vem, o que lhe permitiria fazer campanha para o Senado e, ao mesmo tempo, que Bacellar concorresse em outubro de 2026 já no exercício do cargo. No entanto, com o estímulo de Bolsonaro, que teme a repetição do “efeito Ramagem” de lançar novamente um candidato desconhecido do eleitor, Bacellar aumentou a pressão para que Castro saia de cena já no próximo mês de outubro.
Contrariado, o governador aceitou tirar um mês de férias, e foi visto no Mundial de Clubes torcendo pelo Flamengo nos EUA. Também já confirmou presença no Fórum de Lisboa, evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, na capital portuguesa. Enquanto isso, Bacellar cumpre agenda de inaugurações, caminhadas e reuniões em uma dezena de municípios, sempre aclamado como “futuro governador” por prefeitos e vereadores aliados.
O pior para Castro é que, apesar dos estímulos para que deixe o governo o quanto antes, não há ainda sinais claros de que terá o esperado apoio – tanto de Bolsonaro quanto de Bacellar – em sua empreitada rumo ao Senado. Os dois senadores do Rio que terminam seus mandatos no ano que vem, ambos do PL, dizem não abrir mão de concorrer à reeleição. Um deles é o “imexível” Flávio Bolsonaro. A segunda vaga, em tese, seria para o atual governador, mas falta combinar com Carlos Portinho, que assumiu a cadeira no fim de 2020, após a morte de Arolde de Oliveira, e se firmou como um dos mais atuantes da direita na Casa: “Estou disposto a correr o risco de perder. O Cláudio está?”, provoca Portinho, ciente de que a polarização dificultará a eleição de dois senadores de direita no Rio. Esse argumento foi levado a Bolsonaro, que teme que Castro acabe por tirar votos de Flávio.
A cientista política Mayra Goulart, da UFRJ, afirma que ambos têm fragilidades: “Portinho tem capital político acumulado em Brasília, é um senador bem avaliado, mas não se sabe se terá bom desempenho nas urnas. Castro tem capital acumulado no Rio, mas está desgastado porque não tem mais tinta na caneta, como se diz na política”. Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC–Rio, Flávio e Portinho são candidatos naturais e já era esperado que o segundo dissesse que não abre mão da candidatura para poder negociar uma eventual desistência. “É difícil que Portinho tenha um poder de barganha maior, embora o governador esteja desgastado. É claro que Castro vai negociar um acordo vantajoso para se afastar antes de 2026.”
Ismael avalia ainda ser fundamental para Bacellar estar à frente do governo. “Ele ainda é desconhecido para boa parte do eleitorado, e assumir lhe daria mais visibilidade. Poderá aproveitar o período até as eleições para promover ações que resultem em alguma marca.” Mayra Goulart acrescenta: “Bacellar não é tão experimentado em eleições majoritárias. Seu maior ativo será a máquina estadual. Por isso a pressão em cima de Castro”.
Em clima de fim de mandato, ele fez um tour pelos EUA e aproveitou para assistir a jogos do Mundial de Clubes
Para completar o quadro desfavorável ao governador, surge renascido das cinzas um personagem capaz de embaralhar as cartas da direita para 2026. Ex-prefeito de Duque de Caxias e atual secretário estadual de Transportes, Washington Reis conquistou uma importante vitória na luta contra a inelegibilidade que já o impediu de ser vice na chapa de Castro em 2022. Após pedir vista no processo que julga o ex-prefeito no STF por crime ambiental e loteamento irregular de terrenos, com o placar de 3 a 1 pela condenação, o ministro Gilmar Mendes sugeriu na semana passada ao relator do caso, Flávio Dino, que considere a possibilidade de firmar junto à Procuradoria-Geral da República um acordo de não persecução penal.
Velha raposa da política fluminense, aliado de Lula nos primeiros dois governos do petista e amigo da família Bolsonaro desde que migrou para a extrema-direita em 2018, Reis é um nome forte tanto para o Senado quanto para o governo estadual. Sabedor de que o “Plano A” de Bolsonaro era tê-lo como candidato ao governo, o ex-prefeito, cuja influência se irradia por toda a Baixada Fluminense, voltou à cena em grande estilo. “O Bacellar é candidato ao governo? Não estava sabendo. Acho que ele vai ter de gritar isso bem alto, porque lá na minha terra essa informação ainda não chegou.” Como resposta, o plenário da Alerj controlada por Bacellar aprovou por 58 votos a 1 a convocação de Reis para depoimento na CPI da Transparência.
No caso do Senado, Reis flerta até mesmo com Paes, com quem esteve esta semana na inauguração de um centro para recuperação de dependentes químicos em Caxias e foi saudado pelo carioca como “o professor dos prefeitos”. Para Mayra Goulart, Reis não funcionaria como terceira via em nenhum dos casos: “Era alguém que circulava pelo centro, mas nos últimos anos fez uma guinada incorporando muitos elementos de extrema-direita, ainda que seja um político pragmático, de entregas no campo local. Sua maior marca é o atendimento à população, e o fato de ser evangélico é mais um ativo”.
Ismael ressalta que Reis tem força na Região Metropolitana, e por isso Paes rapidamente procurou aproximar-se na medida em que percebeu a insatisfação do ex-prefeito com o grupo liderado por Castro. Disputar o governo parece hoje improvável. “Problemas jurídicos e outras controvérsias da época da vacina contra a Covid podem limitar seu voo. O mais provável é uma candidatura ao Senado e, mesmo assim, não daria Reis como favorito.” De qualquer maneira, seu apoio em uma eleição polarizada e na qual Paes tentará quebrar a posição de uma direita unida é muito importante para o próprio Paes. •
Publicado na edição n° 1369 de CartaCapital, em 09 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pendurando as chuteiras’