Observar a Terra de longe, estando fora dela, deve ser mesmo um ato hipnótico. A cada órbita da estação espacial, o planeta revela-se distinto – ora uma sucessão luminescente e contínua de continentes, ora uma esfera escurecida, como uma aquarela borrada. São incontáveis as facetas.
O deslumbramento que se apodera de cada um dos seis astronautas imaginados pela autora inglesa Samantha Harvey em Orbital ultrapassa as páginas e captura quem as lê. Vista de cima, a Terra fascina.
Vencedor do Booker Prize em 2024, o romance acompanha o cotidiano de quatro homens e duas mulheres na Estação Espacial Internacional durante 24 horas, ao longo das quais eles completam 16 órbitas ao redor do planeta. São astronautas dos Estados Unidos, do Japão, da Inglaterra, da Itália e uma dupla da Rússia. Cada um deles está em missão por nove meses.
No decorrer do dia, eles se revezam em atividades rotineiras, que envolvem instalar ou reparar equipamentos, vistoriar os ratinhos residentes em laboratório, monitorar a própria saúde, exercitar-se, limpar os cômodos e fotografar localizações segundo uma lista feita pela equipe terrestre. Entre uma tarefa e outra, encontram-se, flutuantes, pelos corredores. As refeições são sempre feitas em conjunto.

Orbital. Samantha Harvey. Tradução: Adriano Scandolara. DBA Literatura (192 págs., 79,90 reais)
Sem um conflito catalisador, a narrativa estrutura-se em torno das interações entre os astronautas e das comoventes descrições da Terra, admirada desde ângulos diversos. A habilidade de Samantha Harvey está em transportar o leitor para o cotidiano da estação espacial, por meio de um texto cadenciado, com ritmo próprio, quase meditativo, e uma narração muito próxima do íntimo de seus personagens.
Diante da visão do planeta, que é lar e abrigo, a reflexão inevitavelmente detém-se na atuação da humanidade. Os astronautas dão-se conta da força que vem moldando e modificando todas as coisas da superfície da Terra: a tal “política do querer”, traduzida em queimadas, poluição, degelo, garimpo, perfuração petrolífera, monoculturas etc.
Sentindo-se partes da imensidão do espaço, os personagens perguntam-se como se reabituar à rotina terrestre, quando a missão acabar.
Em certo trecho do livro, um deles examina um postal do quadro As Meninas, de Velázquez, intrigado com o truque de perspectiva do autor. Até que um dos colegas chama sua atenção para uma figura ignorada até então. É preciso permitir-se a estranheza, ele pensa. Deixar, talvez, de ver-se como centro e fundir-se com o universo ao redor. •
Publicado na edição n° 1369 de CartaCapital, em 09 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Orbital, uma odisseia no espaço’