Azia e desconforto na “boca do estômago” estão entre as queixas mais frequentes dos adultos. Na maioria das vezes, estão relacionadas com maus hábitos alimentares, tabagismo, álcool, excesso de peso e uso de medicamentos.
Embora sugiram acometimento das primeiras porções do aparelho digestivo (esôfago, estômago e duodeno), esses sintomas, por serem comuns a diversas patologias, quando vistos isoladamente, tornam difícil a identificação precisa de suas origens.
Eles costumam ser passageiros, tendendo a regredir com a retirada do agente agressor, com mudanças na dieta e até espontaneamente. A imprevisibilidade desses sintomas, as fases de melhora seguidas de piora – com ou sem motivo aparente – deram origem a explicações psicossomáticas que caíram em desuso por falta de comprovação.
A preocupação maior em pessoas com essas queixas é que se subestime o risco de problemas potencialmente mais graves, como tumores malignos e úlceras pépticas.
As úlceras pépticas são erosões de dimensões variáveis na camada de revestimento interno do esôfago, do estômago ou do duodeno.
A principal causa dessas úlceras é a infecção por uma bactéria que aprendeu a sobreviver no ambiente ácido do estômago, o Helicobacter pylori, responsável por mais de 40% dos casos. No entanto, a simples presença dessa bactéria no estômago não é o bastante para se fechar o diagnóstico, uma vez que apenas 10% das pessoas com H. pylori desenvolvem úlceras pépticas.
A segunda causa mais frequente é o uso de anti-inflamatórios como aspirina, ibuprofeno, diclofenaco, nimesulida e outros. O fumo é a terceira causa mais importante, muitas vezes subestimada, mas que aumenta consideravelmente o risco quando associada aos motivos anteriores.
Histórico familiar de úlcera péptica, má qualidade da água, habitações em condições precárias e estresse também são fatores de risco.
Os sintomas variam de intensidade. Em algumas pessoas, são leves ou mesmo ausentes. Mas cerca de 80% delas apresentam dor ou desconforto na boca do estômago que, nos casos de úlcera duodenal, obedecem ao ritmo dói-come-passa. Ou seja, a dor melhora ou desaparece rapidamente depois da alimentação, mas retorna duas ou três horas depois.
Azia e refluxo gastroesofágico ocorrem em cerca de metade dos pacientes com úlceras pépticas. Perto de 30% podem apresentar sangramento digestivo.
Vômitos ou regurgitação com sangue vivo estão entre as complicações mais temidas. Primeiro, porque a perda sanguínea pode levar ao choque hipovolêmico. Depois, porque é preciso fazer com rapidez o diagnóstico diferencial com o câncer de estômago, doença que também pode provocar quadros hemorrágicos.
A erosão da mucosa eventualmente compromete as camadas mais profundas, agrava os sintomas e pode perfurar a parede do órgão, emergência em que o conteúdo gástrico entra em contato com o interior da cavidade abdominal. Surgem, nesse caso, dor súbita forte, vômitos, endurecimento da parede abdominal (abdome em tábua) e queda da pressão arterial. É um quadro grave que pode levar ao choque se o doente não for conduzido ao centro cirúrgico com urgência.
O diagnóstico das úlceras pépticas é feito por via endoscópica, procedimento que revolucionou essa área com a introdução e os aprimoramentos dos endoscópios modernos. Por meio da endoscopia visualizamos o trajeto que vai da boca à válvula ileocecal, estrutura que separa o duodeno da primeira porção do íleo.
Como os endoscópios vêm equipados com uma espécie de pinça, é possível colher material para exame anatomopatológico, cauterizar vasos com sangramento, aplicar tratamentos tópicos e colher amostras para a pesquisa de H. pylori.
Quando eu era estudante de Medicina, pacientes com úlcera gástrica ou duodenal só contavam com antiácidos. Na ausência de resposta, havia indicação da retirada parcial ou total do estômago (gastrectomias parciais ou totais).
O advento dos inibidores da bomba de prótons – omeprazol, lanzoprazol, exomeprazol – inverteu essa conduta. Com o tratamento, a maioria das úlceras pépticas cicatriza em quatro semanas. Aquelas maiores, de 2 centímetros, podem levar oito semanas. Os antiácidos só provocam alívio temporário.
Na presença de H. pylori, além do inibidor da bomba de prótons, devem ser acrescentados dois ou três antibióticos. Quando a úlcera está ligada ao uso de anti-inflamatórios, a simples descontinuação do medicamento cura mais de 90% dos casos. •
Publicado na edição n° 1353 de CartaCapital, em 19 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Úlceras pépticas’