Leonel Brizola sonhava em refundar o PTB, pelo qual se elegeu deputado em 1962 e pretendia disputar a eleição presidencial de 1965, abortada pelo golpe no ano anterior. Criado por Getúlio Vargas em 1945 para defender os ideais do trabalhismo, o partido também abrigou o presidente João Goulart, deposto pela ditadura. Após a abertura política, Brizola tentou recriar a legenda, mas, em 1980, o Tribunal Superior Eleitoral entregou-a para Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio, que havia solicitado o registro antes. Sob sua direção, o PTB não tardou a se afastar do trabalhismo e rumar para os braços da direita, até se fundir com o Patriota em 2023.
Desde então, o ex-deputado constituinte Vivaldo Barbosa lidera um grupo de brizolistas e trabalhistas históricos empenhado em refundar o partido. O registro está garantido pela Justiça Eleitoral, apesar da sorrateira tentativa do ex-deputado Roberto Jefferson de se apropriar da sigla PTB. Na entrevista a seguir, Barbosa explica como realizou o sonho de Brizola e como pretende resgatar os ideais de Vargas, mesmo em um contexto adverso para a esquerda, que enfrenta dificuldades para penetrar no mundo do trabalho uberizado. “Não temos medo de enfrentar os desafios atuais.”
CartaCapital: O que o novo PTB fará para não ser apenas mais um na miríade de partidos existentes no Brasil?
Vivaldo Barbosa: O PTB não será apenas mais um porque o trabalhismo é o movimento político mais consistente na história brasileira. Surgiu após a Revolução de 1930, que uniu republicanos, positivistas e a campanha civilista de Rui Barbosa. Vieram ainda os tenentistas, liberais, socialistas e sindicalistas das greves de 1917 e 1919. A diversidade de correntes permitiu a Getúlio Vargas liderar de maneira mais eficaz o processo que resultou na criação da legislação trabalhista, com a jornada de oito horas, férias e previdência, além da defesa das nossas riquezas e a nacionalização do subsolo. Foram criadas a Vale, a CSN e, posteriormente, a Petrobras, a Eletrobras e o BNDES, com o objetivo de garantir sustentação financeira à economia. O trabalhismo é tudo isso: repleto de defeitos, erros sucessivos, insuficiências mil, mas é, sem dúvida, o pensamento político mais genuinamente brasileiro que já existiu. Decidimos retomar as ideias originais do partido, resgatar o trabalhismo e participar da luta política brasileira com um sistema de ideias que tem identidade com o Brasil.
CC: Já foram colhidas as assinaturas necessárias?
VB: Os números não devem nos perturbar. É necessário atingir uma quantidade mínima em ao menos nove estados, e já conseguimos esse feito em 20. Posso afirmar que estamos indo muito bem, especialmente no que diz respeito à capilaridade, com representação em todo o Brasil.
CC: O trabalhismo sempre teve militância de base, mas hoje a esquerda tem dificuldade de penetrar nesse mundo do trabalho uberizado…
VB: O mundo do trabalho está sempre evoluindo. Quando criaram a máquina a vapor e a tecelagem por fios na Inglaterra, também houve uma grande transformação. A tecnologia não pode, porém, se sobrepor aos direitos das pessoas. Não temos medo de enfrentar os desafios atuais.
CC: Haverá alguma aproximação com o PDT?
VB: O PDT deixou de ser trabalhista e nós, brizolistas nas direções estaduais, fomos nos afastando. Brigamos durante seis anos, depois da morte do Brizola, para manter a linha do partido. Perdemos. Na minha última reunião no Diretório Nacional, o auditório estava cheio, eram 300 participantes, mas notei que só tinha identidade política com 10% deles. O Lupi foi trazendo gente de tudo quanto é lugar, negociava apoios a outros partidos e o PDT perdeu o rumo, não era mais brizolista nem trabalhista. Repare: o Jango fundou a Eletrobras e, agora, o PDT avaliza sua privatização. Por outro lado, não queremos confronto com eles.
“O trabalhismo é o movimento político mais consistente na vida brasileira”
CC: O novo PTB já discutiu sua posição em relação ao governo Lula?
VB: Quando percebemos que podíamos refundar o PTB, definimos a visão estratégica do partido, fizemos um estatuto longo e detalhado, definimos uma linha política, criamos um programa e o mandamos ao TSE, como determina a lei. Ao concluirmos esse processo, realizaremos um congresso para discutir nosso programa de governo e decidir como atuaremos nas eleições do próximo ano. Temos uma ligação política com Lula e com o PT. Mantemos nossas diferenças e distâncias, mas, com o surgimento de Bolsonaro, fizemos uma aliança clara com Lula. O atual governo está se distanciando um pouco do trabalhismo, mas não podemos retroceder, pois os grupos fisiológicos avançam e tentam sequestrar o poder.
CC: Qual a expectativa do PTB para 2026? Qual a avaliação sobre a frente ampla contra o bolsonarismo?
VB: Por sua história e natureza, o trabalhismo busca distanciar-se das polarizações políticas menores, como as que temos observado nos últimos anos. Procuramos entender o Brasil, olhar para o povo brasileiro. É claro que não podemos ser ingênuos em relação à extrema-direita, aos entreguistas e àqueles que jogam a favor do império. Não ignoramos essa realidade e temos buscado formas de enfrentá-la. No entanto, esse não é o nosso ponto de partida. Tudo vai depender de como a questão eleitoral se desenrolará a partir do próximo ano, de como o PTB estará posicionado e de quem, efetivamente, conseguiremos reunir para somar com a gente.
CC: Um diagnóstico comum aos partidos de esquerda é a necessidade de renovar lideranças. Como o novo PTB pretende trabalhar nesse sentido?
VB: Esperamos que, a partir do nosso trabalho, uma nova geração se fortaleça. Nos últimos tempos, muitos jovens se distanciaram da política brasileira. No PTB, com as responsabilidades históricas que carregamos, queremos construir um partido no qual os jovens se reconheçam, mas não temos fórmulas prontas para a juventude, nem desejamos tê-las.
CC: O senhor arrisca dizer o que Brizola estaria propondo na atual política nacional e internacional?
VB: Esse é um exercício que vale a pena ser feito. Brizola exigiria respeito ao Brasil, e definiria melhor o seu papel no cenário mundial. Hoje, temos muitos grupos econômicos e fundos de investimento de origem obscura, como os que dominam a Eletrobras ou os que se apropriaram dos restos da Petrobras. Brizola não aceitaria isso. No plano internacional, ele priorizaria os interesses nacionais. Continuaria sendo anti-imperialista, mas certamente levaria em conta, por exemplo, que Trump, com todas as suas idiossincrasias, está tentando defender o interesse do povo dos EUA. Brizola saberia como enfrentar essa situação. Acredito que ele teria muita lucidez para nos apontar diversos caminhos. •
Publicado na edição n° 1349 de CartaCapital, em 19 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Retorno às origens’