Enquanto a maioria dos aplicativos de relacionamento aposta em matches rápidos, baseados em fotos produzidas e perfis ligeiros, uma nova tendência cresce na direção oposta: encontros sem pressa, com foco em conversas e na valorização do tempo, presença e vínculo. É o slow dating, ou, em bom português, namoro lento. O movimento, que avança na Europa e conta com clubes dedicados ao novo estilo de vida, propõe desacelerar o processo de contato entre os pares, priorizando relações menos centradas na aparência e mais nas afinidades potentes.
No Brasil, muita gente que vê o amor como caminho de autoconhecimento e transformação passou a aderir a um recurso que também propõe uma espécie de contracultura do dating. Com quase dois anos de funcionamento e mais de 40 mil usuários, um aplicativo chamado 639, baseado em conexões por afinidade astrológica, sem imagens e alicerçado em encontros mais profundos, resultou em namoros, noivados e até casamentos pautados por essa proposta de vínculo “consciente”.
O nome faz referência à frequência sonora 639 Hz, associada à harmonia nos relacionamentos em práticas como o sound healing. E foi essa proposta de uma conexão além da aparência que despertou o interesse de Bruno Rodrigues e Vinicius Gomes Barbosa. Eles se conheceram pelo app e hoje vivem juntos. “Tudo fluiu muito sincronicamente”, conta Rodrigues. Durante um mês, os dois mantiveram conversas a distância, até que ele decidiu viajar de Santos (SP) a Lavras (MG) para conhecer Barbosa. Depois do encontro, a relação ganhou força. Um mês e meio após a primeira conversa, começaram a namorar a distância e, três meses depois, passaram a viver juntos. “A relação começou com uma sinergia forte, respeito e amizade”, resume Rodrigues. A experiência no aplicativo foi marcante justamente por eliminar a imagem como critério inicial. “Favoreceu uma conexão mais autêntica.”
A inspiração para o aplicativo veio de uma viagem à Índia, em 2017, da empreendedora Alessandra Gaspar, fundadora da Novo Humano, empresa responsável pelo app. No país, onde muitos casamentos ainda são arranjados, um dos poucos fatores que podem impedir uma união é a sinastria astrológica desfavorável, a incompatibilidade entre os mapas astrais dos noivos. De volta ao Brasil, a empresária imaginou que o mesmo critério que separa também poderia aproximar os casais. Propôs então a criação de um aplicativo ao astrólogo Sérgio Seixas, com mais de quatro décadas de experiência. Seixas fez uma contraproposta: não bastava gerar matches, era preciso oferecer uma base simbólica e pedagógica para sustentar os vínculos. Assim nasceu a Pedagogia dos Afetos, abordagem que propõe ferramentas de autoconhecimento e reeducação emocional para transformar as relações. “O respeito é o mínimo. Mais que isso, é perceber que as relações pedem responsabilidade comigo e com o entorno”, filosofa o astrólogo. A pedagogia, diz, opõe-se à lógica do descarte e dos amores líquidos.
O app surfa na onda do slow dating, movimento contrário aos encontros superficiais
Para integrar a astrologia ao aplicativo, Seixas uniu-se aos colegas Edson Drago e sua companheira, Lygia Franklin, cofundadores do 639. Juntos criaram um sistema que atribui pesos a planetas, satélites e estrelas como Vênus, Lua e Sol. A compatibilidade é convertida em uma pontuação, e apenas pares acima de um certo índice podem conectar-se. “A sinastria representa 50%”, diz Seixas. “Os outros 50% são consciência e trabalho pessoal. A ideia não é evitar separações, mas promover relações mais conscientes.”
Camila e Roberto (nomes fictícios) tinham em comum mais que o gosto pela astrologia. Ambos estavam divorciados e haviam vivido relacionamentos marcados por desgaste emocional. Quando ouviram falar de um novo aplicativo baseado em sinastria, ainda em fase de testes, decidiram experimentar. “Nos conectamos por papos aleatórios na plataforma e, com o tempo, passamos a conversar todos os dias”, conta Camila. Ela vivia no Espírito Santo, ele no Rio de Janeiro. O primeiro encontro aconteceu meses depois, em setembro de 2023. “Foi aí que batemos o martelo. Estava tudo muito verdadeiro. Hoje moramos juntos no Rio.”
O desenvolvimento do aplicativo, iniciado em 2020, também seguiu a lógica do slow dating. Levou três anos, prazo incomum para o setor, mas considerado necessário pelos criadores, que buscavam traduzir uma lógica milenar em linguagem algorítmica. A principal dificuldade técnica foi adaptar os princípios da sinastria a um sistema funcional, capaz de comparar com profundidade o mapa de dois usuários por completo, diz Fernando Alexei, diretor-executivo do 639. Mas os desafios foram também éticos: como evitar a armadilha dos concorrentes de transformar afeto em mercadoria? “Pensamos a monetização de modo que não colocasse os afetos na prateleira.”
Outra dúvida era como atrair o público masculino para uma proposta centrada no autoconhecimento. Parece que deu certo. Segundo Alexei, 44% da base é composta de homens. A proposta de encontros mais conscientes guiados pela astrologia inspirou a série “(r)evolução 639”, que reúne nomes como Carol Marra e Evandro Mesquita para refletir, ao longo de sete episódios, sobre afeto, sexualidade e vínculos duradouros sob a lente da Pedagogia dos Afetos (disponível gratuitamente em plataformas como Samsung TV Plus, TCL Channel, Roku e Watch Free).
Sem fotos, sem swipe e com, no máximo, três conexões simultâneas por perfil, o aplicativo aposta na simplicidade como estratégia de profundidade. Ao impor limites e desacelerar o ritmo dos encontros, o app é um experimento de resistência num mercado moldado pela velocidade, pelo culto ao corpo e pela superficialidade. Uma pergunta inevitável é se esse modelo vai sobreviver em um ambiente regido por métricas de engajamento. Talvez a resposta dependa menos do algoritmo e mais da disposição dos usuários em apostar nas relações mais simples e autênticas. •
Publicado na edição n° 1369 de CartaCapital, em 09 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Escrito nas estrelas’