Em pronunciamento em cadeia de rádio e tevê, o ministro da Fazenda, João Paulo Haddad, anunciou as linhas básicas do plano para cortar 70 bilhões de reais nos próximos dois anos e cumprir as regras do arcabouço fiscal. O ajuste seria detalhado na quinta-feira 28, após o fechamento desta edição. O governo tenta equilibrar-se entre a defesa dos mais pobres, alguma justiça fiscal e a pressão da Faria Lima. Haverá limitação do reajuste anual do salário mínimo a um teto de 2,5%, embora Haddad tenha garantido um aumento acima da inflação, e uma redução dos beneficiários do abono salarial. Só receberá quem ganha até 2.640 reais. Em contrapartida, a equipe econômica promete isenção do Imposto de Renda até a faixa de 5 mil reais a partir de 2026, um acréscimo de 10% na taxação de quem ganha acima de 50 mil, controle dos supersalários do funcionalismo público, da Previdência e das pensões dos militares, sinecuras inaceitáveis a esta altura, e das emendas parlamentares (metade irá, obrigatoriamente, a investimentos em saúde). Promete-se ainda um endurecimento das regras para a liberação do Benefício de Prestação Continuada, que garante a sobrevivência de um enorme contingente de brasileiros. A maioria das medidas depende de aprovação no Congresso e não se sabe se os parlamentares vão topar o acrescimento no imposto do topo da pirâmide. A recomposição da receita é incerta e exigirá um esforço extra da articulação política.
Na tevê, Haddad resumiu a posição do Palácio do Planalto: “Combater a inflação, reduzir o custo da dívida pública e ter juros mais baixos é parte central de nosso olhar humanista sobre a economia. O Brasil de hoje não é mais o Brasil que fechava os olhos para as desigualdades e para as dificuldades da nossa gente. Quem ganha mais deve contribuir mais, permitindo que possamos investir em áreas que transformam a vida das pessoas”. E mais: “A nova medida não trará impacto fiscal, ou seja, não aumentará os gastos do governo. Porque quem tem renda superior a 50 mil reais por mês pagará um pouco mais. Tudo sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados”.
O mercado, obviamente, não viu e não gostou. Na quarta-feira 27, antes do pronunciamento do ministro, o dólar bateu a casa dos 5,90 reais, maior taxa nominal da história. A Bolsa de Valores recuou mais de 1%. A isenção do IR até 5 mil reais, promessa de campanha do presidente Lula, foi considerada “populista”. A Faria Lima conta com a assessoria dos meios de comunicação. Seus preconceitos e sua ideologia seriam tratados como análises técnicas, isentas, até divinas. O fato é que o mercado não se contenta ou não está interessado de fato em um ajuste capaz de colocar a dívida pública em um trilho sustentável e distribuir a conta entre as diferentes classes sociais, com um peso maior para quem ganha mais. A turma da bufunfa move-se por cálculo político. Só aceita uma única opção, o chicote no lombo da tigrada. Sonham em dissociar Lula de sua base eleitoral e, dessa maneira, reduzir as chances de reeleição.
Em entrevista ao portal G1, André Roncaglia, diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional, definiu a quadratura do círculo. “O mercado vai olhar feio porque não vieram os cortes profundos desejados, mas o ministro Fernando Haddad tem como mandato servir a toda a sociedade brasileira, em particular os mais vulneráveis.” Roncaglia acrescenta: “Ainda é cedo para avaliarmos o alcance dos impactos destas mudanças, mas houve um viés progressivo na repartição do ônus do ajuste, ampliando a fatia paga pelos mais ricos e impondo limites ao avanço das emendas parlamentares”.
A pressão do setor financeiro não deve baixar. As lamúrias antes e depois do anúncio do pacote tendem a pressionar o Banco Central a manter a elevação da taxa de juros básica, um dos fatores de maior peso no desequilíbrio das contas públicas. O repique recente da inflação e as incertezas internacionais, sobretudo com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, trazem mais nebulosidade ao clima político e econômico. A ver se o governo e o ministro conseguirão apaziguar o ânimo de gregos e troianos. Adendo: o mais recente levantamento da Paraná Pesquisas indica que, pela primeira vez, uma maioria (51%) desaprova o desempenho de Lula.
Comércio/ A guerra da carne
O Carrefour e a França fazem um grande favor ao Brasil
O governo Lula só tem a agradecer ao Carrefour e aos agricultores franceses, provavelmente orientados pelo Palais de l’Élysée. O pedido de desculpas matreiro do presidente mundial da rede de supermercados, com elogios à qualidade da carne, mas sem recuar da decisão de interromper a compra da commoditie dos países do Mercosul, somado à ofensa de um deputado gaulês, que chamou de lixo o produto brasileiro, é o gancho perfeito para enterrar em definitivo o acordo comercial entre o bloco sul-americano e a União Europeia. Apesar de os negociadores nativos terem arrancado na reta final concessões dos europeus em temas como compras governamentais e adoção de políticas industriais, os termos continuavam desfavoráveis. Os ganhos no comércio agrícola seriam marginais, enquanto o avanço das companhias europeias na venda de equipamentos de alta tecnologia e na prestação de serviços teria o condão de anular as chances de um projeto nacional baseado na transição ecológica, além de limitar o potencial de crescimento das empresas nacionais. Emannuel Macron aceitou de bom grado o papel de vilão. Que faça bom proveito. Grandes acordos comerciais nos moldes do acerto Mercosul–UE saíram de moda faz tempo. As relações internacionais caminham para outro modelo de parceria, mais próximo da ideia dos BRICS. O resto é fetiche.
9 a 2
O Supremo Tribunal Federal decidiu manter preso o ex-jogador Robinho, condenado a nove anos na Itália por estupro. Foi de goleada. O placar acabou 9 a 2 pela rejeição dos dois pedidos de liberdade. Os ministros rejeitaram a tese de coação. Preso em março deste ano, depois de o Superior Tribunal de Justiça determinar o cumprimento da pena no Brasil, o ex-atleta segue na penitenciária do Tremembé, em São Paulo. “Não se vislumbra violação (…) de normas constitucionais, legais ou de tratados internacionais”, afirmou Luiz Fux, relator do processo.
Líbano/ Um frágil cessar-fogo
Repetem-se os termos fracassados da última tentativa
Israel e o Hezbollah anunciaram uma trégua de dois meses, mas viceja o ceticismo entre os analistas internacionais. O cessar-fogo é baseado em uma resolução do Conselho de Segurança da ONU de 2006, que pôs fim ao conflito daquele ano. Os termos não foram implementados na sua totalidade, sob a alegação de repetidas violações dos termos por ambas as partes. As áreas ao sul do Rio Litani permanecerão um território livre de armas e soldados, a não ser comandos oficiais do Líbano e integrantes da força de paz das Nações Unidas. Às vésperas do anúncio do acordo, as tropas israelenses intensificaram os ataques ao país vizinho. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, arvora-se no direito de determinar até quando e de que maneira a trégua prosseguirá. “Se o Hezbollah violar o acordo e tentar se rearmar, atacaremos. A duração do cessar-fogo dependerá do que acontecer.” O conflito dura 14 meses. Nesse período, quase 4 mil libaneses foram mortos e 1,2 milhão obrigados a sair de suas casas. Do outro lado, 60 mil israelitas foram removidos de suas residências por segurança.
Feminicídio em alta
Uma mulher é assassinada no mundo a cada dez minutos, revela um levantamento das Nações Unidas em 107 países. O maior número de crimes foi registrado no continente africano. O local menos seguro é o próprio lar. Cerca de 60% dos homicídios são cometidos por parceiros, parentes ou conhecidos. “A violência contra mulheres e meninas não é inevitável”, salienta Sima Bahous, diretora-executiva da ONU Mulheres. “Precisamos de legislação robusta, melhora na coleta de dados, maior responsabilização governamental, uma cultura de tolerância zero e o aumento do financiamento a entidades de defesa dos direitos das mulheres.”
Nicarágua/ A ditadura familiar de Ortega
Reforma constitucional consolida o poder do ex-guerrilheiro
Submetido ao poder presidencial, o Parlamento da Nicarágua aprovou uma ampla reforma da Constituição. Um total de 38 artigos foram revogados e 143 dos 198 restantes, modificados. O Congresso criou o cargo de copresidente, exercido por Rosario Murillo, mulher de Daniel Ortega e atual vice-presidente do país. Esse último cargo será agora ocupado pelo filho do casal, Laureano Ortega Murillo. Os cop