A chegada de mais um inquérito com o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, desta vez implicado em uma trama golpista para impedir a posse do governo eleito em 2022, incluindo planos para assassinar autoridades, reanimou a campanha anti-Moraes que alimentava a esperança de anistia com a qual tantos bolsonaristas sonham.

Embora seja responsabilidade do procurador-geral da República, Paulo Gonet, definir o destino de Bolsonaro no STF, e o órgão colegiado do tribunal seja o encarregado de decidir sobre uma possível condenação, Moraes protagoniza o embate contra o golpismo na Corte, ao menos aos olhos da sociedade. O ministro conduz a gama de inquéritos que implica Bolsonaro em toda sorte de tramoias, de inserção de dados falsos em sistema público aos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Isso tem atraído reconhecimento efusivo, por um lado, e hostilidade evidente, por outro. Moraes, o relator, tem enfrentado, de fato, acusações tão variadas quanto abuso de poder, violação do devido processo legal e parcialidade de parte de Bolsonaro, seus aliados e apoiadores.

A desaprovação, embora ruidosa, parece ancorada menos na performance do juiz do que no desenho institucional brasileiro. Em especial, em relação às atribuições penais do STF, a excepcionalidade é a regra. Em primeiro lugar, nenhuma outra Corte constitucional no mundo as exerce. Em segundo, mesmo no Brasil, o processo penal avança da base ao topo e caracteriza-se pela dispersão das funções jurídicas entre diversos agentes, separando-se a investigação e o julgamento. Ao contrário, em relação ao conjunto diminuto de processos penais que nascem direto no Supremo, o ministro relator acumula as funções de delegado de polícia (porque cabe a ele conduzir a investigação) para, então, protagonizar eventual ação penal, que conduz por conhecer todos os detalhes do caso.

A concentração das atribuições e da competência dos ministros do Supremo em julgamentos criminais atrai críticas, válidas, diga-se de passagem. No varejo, o modelo fomenta reconhecidos direitos fundamentais aos investigados, mas no atacado, quando tudo se concentra, e o ministro que comanda o inquérito decreta medidas cautelares e ainda conduz o julgamento, essas garantias são mitigadas. É importante reiterar, no entanto, que nada disso tem a ver com a performance do ministro de plantão na relatoria, seja Moraes, seja qualquer outro. Antes dele, Teori Zavascki e Edson Fachin foram duramente atacados na condução dos inquéritos abertos na Corte como resultado da Operação Lava Jato. E, ainda antes deles, Joaquim Barbosa, que tocou a investigação do Mensalão, recebeu tratamento análogo. Em todos esses casos, de comum há uma estrutura normativa que fomenta conspirações sobre a parcialidade dos ministros e enfraquece a legitimidade do próprio tribunal.

À diferença do Mensalão e da Lava Jato, agora o relator figura, ele próprio, como vítima em alguns dos inquéritos que conduz. Por essa razão, um pedido de afastamento de Moraes dos inquéritos, sob alegação de impedimento, chegou a ser formalmente protocolado no STF pela defesa de Bolsonaro. Não há muitas chances de que prospere. A dinâmica que historicamente vigora no tribunal é bastante restritiva quanto ao prosseguimento de arguições de impedimento ou suspeição, indicando certo consenso entre os ministros de que a proteção de um é a proteção de todos.

O respaldo dos colegas a Moraes, que põe à prova a crítica de que o STF funciona mais como um conjunto de individualidades independentes do que como um colegiado unificado, não se limita à rejeição da tentativa de afastar o ministro da relatoria dos inquéritos. Em mais de uma ocasião, os ministros expressaram publicamente seu apoio à atuação do colega, destacando a importância de suas ações no combate à desinformação e na proteção das instituições democráticas. Ainda mais importante, o STF tem referendado por unanimidade as decisões monocráticas de Moraes, demonstrando alinhamento com sua condução dos processos.

Se a reiterada intervenção do Supremo na vida pública brasileira politiza os embates sobre seu desempenho, o julgamento iminente de Bolsonaro reúne todas as condições para se tornar um marco na interpretação dos crimes contra as instituições democráticas. Moraes está à frente, mas não está sozinho. Nos 11 ministros se ancora a resiliência do Supremo. •

Publicado na edição n° 1339 de CartaCapital, em 04 de dezembro de 2024.

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Last Update: 28/11/2024