Campos Neto e o universo do financismo

por Luís Carlos

As manifestações públicas do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, costumam ser um exemplo bastante cristalino do universo absolutamente apartado da realidade em que vive esse povo do financismo em nosso País. O momento mais recente ocorreu em uma audiência na Câmara dos Deputados, realizada no dia 13 de agosto. Ele foi convidado para um encontro conjunto das Comissões de Desenvolvimento Econômico e de Finanças e Tributação daquela Casa legislativa. Em sua preleção ele trouxe exatamente a mesma ladainha a respeito da importância da política monetária para um suposto quadro de estabilidade macroeconômica e expôs com bastante clareza a abordagem dos representantes do sistema financeiro a respeito de nossa realidade.

O fato inegável é que a atuação do órgão regulador e fiscalizador de nosso ambiente bancário e financeiro não tem sofrido muitas mudanças ao longo das últimas décadas. Com exceção de raríssimos momentos, o BC tem se comportado segundo as recomendações dos manuais básicos da ortodoxia econômica e do neoliberalismo. Quer seja em governos comandados pelo PSDB, pelo PT ou mesmo durante o período Temer e Bolsonaro, a autoridade monetária quase nunca escapou do roteiro estabelecido pela alta direção do poder das finanças.

A aprovação da Lei Complementar nº 179 em 2021, durante a desastrosa gestão de Paulo Guedes como superministro da economia, consolidou na legislação um estatuto de quase independência do órgão. Sob o manto da lengalenga de que o BC não pode sofrer pressões políticas e deve contar com liberdade total para sua atuação, os dispositivos legais foram alterados e o Presidente Lula iniciou seu terceiro mandato tendo que conviver com 100% dos dirigentes do BC nomeados por Bolsonaro. Uma loucura! A “inovação” estabeleceu que os diretores da instituição devem ter mandato fixo de quatro anos. Assim, essa foi uma das muitas heranças do bolsonarismo que permaneceram a partir de 1º de janeiro de 2023.

As pérolas de Campos Neto.

E aqui vamos verificando algumas das muitas mentiras e enganações patrocinadas por Campos Neto durante a referida audiência.

“As pessoas vão entender ao longo do tempo que o Banco Central é técnico e trabalha para atingir o mandato que é determinado pelo governo”

Não existe essa falácia de que os países necessitam de bancos centrais de natureza “técnica” e que, por isso, precisam ser independentes do sistema político. Na verdade, quanto maior a autonomia – uma quase independência – da autonomia monetária, maior será sua ligação direta e incestuosa com os interesses do sistema financeiro. Essa é uma relação já bastante estudada entre os organismos responsáveis pela regulação e as empresas dos setores em que atuam.

Não existe nenhuma “neutralidade técnica” na ação do BC. Quando os ideólogos do financismo clamam por “independência” e culpam a dinâmica política por eventuais equívocos de condução da política econômica, na verdade se escondem por trás da cortina de fumaça da entrega da autoridade monetária para os bancos, a conhecida estória de botar a raposa para cuidar do galinheiro.

“O Banco Central tem conseguido conduzir um processo de desinflação com baixo custo em termos de redução da atividade”

Ao contrário do que afirmou seu Presidente, o BC tem colaborado para o aprofundamento dos processos recessivos e estagnacionistas. Além disso, a lógica de manter o patamar da SELIC sempre mais elevado do que deveria também dificulta a possibilidade de se obter ciclos de crescimento econômico de forma mais consistente e persistente.

“A meta de 3% não é muito baixa? Não deveria ser maior? É importante frisar que quem determina a meta é o governo”

No que se refere à inflação, Campos Neto se esquiva de uma das questões mais relevantes no debate. A legislação estabelece que a autoridade monetária deve mirar em dois objetivos: evitar um ritmo de crescimento dos preços acima da meta oficial e a manutenção do nível de emprego de acordo com padrões mínimos e adequados á realidade social.

Ocorre que todas as vezes em que os economistas progressistas lançam o debate para que o governo pudesse flexibilizar essa meta, o financismo se levanta em pé de guerra contra tal iniciativa. Isto porque aumentar a meta de inflação para 4%, por exemplo, retiraria toda a narrativa de Campos Neto e da tropa adepta do neoliberalismo nos grandes meios de comunicação de que a SELIC é elevada por cautela “anti-inflacionária”.

“Ainda é verdade que as taxas de juros no Brasil são absurdamente altas, mas a gente quer mostrar que ao longo do tempo a gente tem conseguido trabalhar com taxas de juros mais baixas”

Além de manter a SELIC muito alta, os sistemas bancário e financeiro também mantêm taxas de juros exorbitantes nas suas operações com a clientela. Esse diferencial entre a taxa oferecida nas operações de captação de recursos e aquela taxa que é cobrada nas operações de crédito coloca o Brasil também entre os campeões do mundo.

A proximidade do final do ano recoloca no horizonte a mudança na Presidência do BC e a possibilidade de que Lula tenha finalmente indicado a maioria dos dirigentes do órgão na metade de seu terceiro mandato. No entanto, mais do que o mero ato formal da nomeação, a história recente tem nos ensinado que o Presidente da República precisa orientar os membros do alterarem o seu comportamento, seja à frente do BC, seja na condição de membros do COPM.

Cabe a Lula fazer valer sua condição constitucional para que isso se torne realidade e assegure um futuro mais generoso para a grande maioria da nossa população.

Luís Carlos é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Categorizado em:

Governo Lula,

Última Atualização: 13/08/2024