Por Marcelo Ferreira
Com luta e organização, o sonho de ter um pedaço de terra para trabalhar na produção de alimentos foi conquistado pela família de Sebastião e Adriana. Eles são uma das dez famílias assentadas da Reforma Agrária em 2013 no município gaúcho de Encruzilhada do Sul, quando receberam o assentamento Elton Brum.
O nome dado ao assentamento presta homenagem ao companheiro que já esteve lado a lado na luta com eles, mas que teve seu sonho interrompido. Há 15 anos, Elton Brum foi assassinado pela polícia militar com um tiro de calibre 12 pelas costas, em uma das mais violentas ações de reintegração de posse de um latifúndio improdutivo.
Assentamento batizado em homenagem ao companheiro que tombou na luta pela terra foi inaugurado em 2012. Foto: Leandro Molina
Sebastião Rodrigues de Barros recorda da violência naquele 21 de agosto de 2009 na Fazenda Southall, um latifúndio de milhares de hectares na cidade de São Gabriel, no interior do Rio Grande do Sul. Foi quando cerca de 600 soldados da Brigada Militar promoveram um dia de terror.
“Tiraram a trincheira, limparam, entraram com a cavalaria e, infelizmente, já começaram a bater em todo mundo, a cavalaria com espada, a atingir todo mundo. Tiro com bala de borracha, bomba de gás lacrimogêneo, que eles falam, spray de pimenta”, conta.
As memórias daquele dia são doloridas para Adriana de Oliveira Soares, que naquele dia levava na barriga a primeira de seus dois filhos com Sebastião. “Nós estávamos na roda ali com as crianças, porque as mulheres ficaram cuidando das crianças. Daí, quando nós vimos, estourou lá pra frente e vieram tudo pra cima das mulheres, das crianças, largando aquelas bombas de gás.”
Anderson Antunes Batista e sua família também vivem hoje no assentamento Elton Brum. Ele estava presente naquele dia em São Gabriel e lembra que a ideia dos acampados era fazer resistência para forçar uma negociação. Ninguém esperava que a ação de despejo chegasse naquele nível de truculência.
“Teve inclusive umas famílias que acabaram desistindo. E teve famílias que depois voltaram e aí continuou a resistência e a luta pela terra. Também continuou a pressão de investigação sobre a morte dele”, afirma Anderson.
Segundo ele, desde aquele dia, mesmo que de forma lenta, foram saindo áreas para assentamento da reforma agrária. “Depois voltamos pro acampamento de Charqueadas. Nesse período, ali de 2012 saíram três áreas, as últimas que saíram no nosso período. Saiu em Taquari, em Charqueadas e aqui em Encruzilhada.”
Anderson recorda de Elton Brum como um companheiro de luta que se dava bem com todo mundo. Foto: Rafa Dotti
A violência no campo é uma realidade brasileira que está longe de acabar. Os relatórios mais recentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que os casos de conflitos registraram um aumento nos últimos anos. Desde 2020, o número de assassinatos vinha numa crescente, que reverteu em 2023. Contudo, 2023 foi um ano com recorde de conflitos.
Total de conflitos no campo bateu recorde em 2023. Fonte: Relatório ‘Conflitos no Campo – Brasil 2023’, da CPT
O Estado brasileiro também foi condenado a indenizar a família de Elton Brum, o que também ainda não aconteceu. “A filha do Elton Brum recebe uma pensão, até completar 24 anos, mas a indenização, tanto a filha como a esposa e o pai, que dependiam dele, do trabalho do Elton para sobreviver, até esse momento não receberam. Estão na fila dos precatórios do estado do Rio Grande do Sul para receber essa indenção.”
O sonho de Elton Brum segue vivo nas famílias organizadas no MST. É o caso de Andriele Lisiane Pereira Krauser, que aos 15 anos de idade também vivenciou aquele dia de violência em São Gabriel. Ela hoje luta por um pedaço de terra no acampamento Sepe Tiaraju, também em Encruzilhada do Sul, que iniciou em abril de 2024 e reúne cerca de 200 famílias.
Andriele estava na ação de reintegração de posse em São Gabriel e, na época, tinha 15 anos de idade. Foto: Rafa Dotti
Ela lembra que seu companheiro queria lutar. “Ele tinha o sonho pela terra. Para nós é lutar por ele, com bandeira, continuar. É um sonho nosso, dar um futuro melhor para os nossos filhos e produzir.”
Também do acampamento Sepe Tiaraju, Analice Webery reforça que aqueles que tombaram na luta são fonte de inspiração. “Apesar de terem perdido a vida, estão presentes no nosso dia a dia. A gente lembra todo dia dessas pessoas”, afirma.
Analice carrega o sonho de todos os que lutam pela Reforma Agrária. Foto: Rafa Dotti
“Aqui dentro o sonho que se sonha sozinho não é um sonho, né? Sonho que se sonha junto é realidade”, prossegue a jovem acampada. “Com certeza o meu sonho aqui é de todos, é ter a terra, é ter uma casa, um lugar para viver com a família, viver feliz.”