Mais uma demonstração de ódio na política foi dada nesta semana, novamente contra a deputada federal Ana Luiza Silva (PCdoB-RS), que recebeu ameaças de morte e xingamentos via e-mail. Mulher, lésbica, negra e comunista, a parlamentar tem sido alvo de agressores que usam do preconceito, da misoginia e da LGBTfobia para tentar intimidar e impor uma visão de mundo retrógrada, autoritária e anti-plural.
A denúncia de Ana contra os ataques veio a público nesta terça-feira (20). De acordo com a deputada, na mensagem recebida o criminoso diz que ela jamais será “reconhecida como uma cidadã legítima” do Rio Grande do Sul, onde “a grande maioria da população é branca”. E segue descrevendo o “perfil” de parlamentar que ele gostaria de assassinar: “macaco”, “sapatona”, “nordestino” ou “homossexual”.
A deputada registrou um boletim de ocorrência na Delegacia da Polícia Legislativa da Câmara Federal, como forma de buscar sua proteção, a investigação sobre o responsável e para a tomada de medidas legais que possam ser necessárias. Em 2023, também no mês de agosto, Ana já havia sido alvo de ameaças de “estupro corretivo”.
“Isso, obviamente, tem a ver com a minha atuação política, porque da forma como foi feita essa ameaça, demonstra o ódio que eles têm a tudo o que eu represento na política, como mulher, negra e LGBT. Eu quero dizer que enquanto coordenadora do Observatório da Violência Política de Gênero e também como presidenta da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara, eu não vou aceitar esse tipo de ameaça”, declarou Ana pelas redes sociais.
Ela completou reafirmando que “se é esse o ódio que eles têm contra tudo que eu represento e que eu sou na política, vou fazer ainda mais. Vou trabalhar para que a gente possa ampliar a nossa participação, porque eles de fato não vão nos silenciar”.
Solidariedade
A Secretaria Nacional de Mulheres do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) emitiu nota expressando apoio à parlamentar. “Repudiamos veementemente qualquer tipo de violência e intimidação contra mulheres, especialmente contra aquelas que ousam ocupar espaços de poder e representação, desafiando o status quo de uma política que ainda tenta se manter homogênea e excludente”, diz ao documento.
A deputada estadual Beatriz Rodrigues (PCdoB) também reagiu aos ataques: “Falar de violência política de gênero é, hoje, falar da nossa sobrevivência nesse espaço que lutamos por séculos para chegar, para manter abertos os caminhos que as que vieram antes de nós trilharam. Mas a gente sabe que a nossa força está na nossa coletividade”.
Em apoio à deputada, a vereadora de Porto Alegre, Maria Pereira (PCdoB), protocolou na Câmara Municipal uma moção de solidariedade. “Combater a violência política de gênero e raça é uma tarefa coletiva e hoje (ontem), infelizmente, fomos surpreendidas com um e-mail ameaçando nossa deputada Ana. Por isso, acabo de protocolar uma moção de solidariedade a ela. Infelizmente, não é a primeira vez que Ana enfrenta esse tipo de violência, mas onde houver ódio e violência, nós iremos combater com coragem”, declarou.
Violência política
As agressões sofridas por Ana Silva e tantas outras mulheres que atuam em espaços de poder mostram o alto grau de violência de gênero em geral e política, em particular, que acomete o país.
Um dos indicadores que explicitam esse cenário é o aumento de 251% nas denúncias de discurso de ódio contra as mulheres na internet em 2022, ano de eleição presidencial, contra uma alta de 61% em denúncias de discurso de ódio de outras naturezas, segundo dados da Safertnet.
Pesquisa do Datasenado sobre violência política feita com candidatos a cargos eletivos em 2022 apontou que tanto as mulheres (77%) como os homens (76%) disseram sofrer violência política. No entanto, 32% das mulheres disseram já ter sofrido discriminação por questão de gênero, contra apenas 10% dos homens.
Nos últimos anos, tem se intensificado as implantação de medidas a fim de eliminar esse problema da vida política brasileira, que aumentou sensivelmente com a ascensão da extrema-direita bolsonarista. Mas, os resultados ainda não foram devidamente colhidos.
Há dois anos, foi aprovada a Lei 14.192, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulheres. Além disso, o governo Lula, encabeçado pelo Ministério das Mulheres, está trabalhando na elaboração de um Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres.
Por mais diversidade
O combate a esse tipo de violência também pode contribuir para que mais mulheres participem da vida política. Embora seja mais da metade da população, a parcela feminina ainda tem baixa representatividade nos diferentes níveis do Executivo e do Legislativo.
Atualmente, apenas 17,7% das cadeiras do Congresso Nacional são ocupadas por elas — com isso, o país tem uma das piores representatividades da América Latina e Caribe, ficando à frente somente do Haiti e de Belize.
Nas eleições de 2022, 38 mulheres disputaram os cargos de governadora e vice e somente Pernambuco e Rio Grande do Norte escolheram uma para governar.
Neste ano, as candidaturas femininas cresceram pouco, ficando, percentualmente, quase igual a 2020. De acordo com a Justiça Eleitoral, o índice de mulheres disputando cargos municipais corresponde a 33,94% do total, enquanto há quatro anos a fatia era de 33,5%.
Ao todo, foram contabilizados neste ano 149,8 mil pedidos de registros de candidaturas femininas, dos quais a grande maioria, 144,1 mil, são para as câmaras municipais e somente 5,7 mil para os cargos majoritários (prefeitas e vices).
Já número de candidaturas LGBTs cresceu seis vezes, saindo de 556 em 2020 para 3.357 agora, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. No entanto, elas representam apenas 0,52% do total.
Nas eleições gerais de 2022, 317 pessoas abertamente LGBTQIA+ disputaram o pleito. O número foi mais que o dobro de 2018, quando foram mapeados 157 nomes. Desse total, 18 parlamentares foram eleitas, ante nove em 2018.