Embora a vitória do Hamas e demais membros da resistência armada seja um tema bastante trabalhado pela imprensa do partido no último período, eu mesmo escrevi sobre o tema pela redação. Face à reação de alguns militantes de outras organizações do meu convívio, utilizo este espaço para contribuir sobre o tema e, quem sabe, alcançar o público citado e outros.

Qual a discussão posta?

Em termos gerais, há uma objeção quase absoluta nas forças de esquerda acerca da vitória do Hamas e da resistência armada na Palestina, condenando-se desde o acordo de cessar-fogo celebrado até a luta em si.

Essa negação se espalha num espectro, desde a desaprovação mais abertamente reacionária da luta armada, como a posição do PSTU, que concebe a situação como “uma conquista palestina parcial a um custo humano incalculável” — o que não é de se estranhar, vindo daqueles que já caracterizam o Hamas como “burguês” — até desacordos mais tímidos com a concepção de vitória do Hamas, mas que, em alguma medida, também condenam ou desabonam sua política de combate ao imperialismo. Um bom exemplo dessa posição é a UP. Este setor foca apenas no que seriam aspectos limitantes ou negativos do cessar-fogo:

“O cessar-fogo, como todos os acordos conquistados em agressões anteriores, tem um caráter temporário. Neste acordo não está incluído o direito de autogoverno dos palestinos, ou seja, a criação do Estado Palestino, ação essa que só será realizada com a luta do próprio povo palestino e pela pressão dos povos de todo o mundo e nações progressistas.”

Quem foi derrotado?

Um primeiro ponto a ser esclarecido é quem foi o derrotado no confronto dos últimos meses entre a resistência e as forças de ocupação sionistas. Considerando que, entre as forças beligerantes, de um lado tínhamos um enclave imperialista e, do outro, a resistência armada do povo palestino, com objetivos definidos, é necessário observar quais objetivos foram efetivados e qual o seu peso político.

Do lado sionista, Netaniahu declarou:

“Definimos os objetivos da guerra e estamos a caminho de alcançá-los: derrubar o Hamas [em Gaza], trazer para casa todos os reféns, tanto os vivos quanto os mortos. Trata-se de uma missão sagrada e não vamos parar até cumpri-la.”

Complementando a chamada “missão sagrada”, Netaniahu afirmou que pretendia “eliminar qualquer ameaça futura contra ‘Israel’ a partir da Faixa de Gaza” e “trazer os habitantes do sul e do norte [do país] de volta para suas casas em condições de segurança”.

O Hamas, no entanto, perdura com um acúmulo de força política e militar, o que também pode ser observado nas demais forças da resistência armada. Diante disso, concluímos que o primeiro objetivo sionista falhou miseravelmente. Em relação aos reféns, o Estado de “Israel” não conseguiu resgatar à força nenhum deles, nem mesmo os corpos de seus cidadãos assassinados. As libertações só ocorreram mediante negociações e trocas de prisioneiros, o que representa outra falha vergonhosa.

Quanto ao Hamas, seus principais objetivos eram, primeiro, a defesa de seu território em Gaza e, segundo, a libertação dos palestinos cativos pelos sionistas. Esses dois pontos possuem um gigantesco peso político, unificando a resistência palestina.

A Faixa de Gaza resistiu à ocupação israelense. Mesmo com a destruição de 95% de sua infraestrutura, basicamente por ataques aéreos, a resistência defendeu o território. Quanto aos prisioneiros, muitos com várias sentenças de prisão perpétua, estão sendo libertos, cumprindo a promessa de Yahya Sinwar e dando esperança e força à resistência.

Acredito que isso seja o bastante para esclarecer quem foi o derrotado e quem saiu vitorioso deste conflito. “Israel” não garantiu nenhum de seus objetivos para esta guerra, enquanto o Hamas e a resistência armada conseguiram atingir os principais. Houve um vitorioso inquestionável e incrível, considerando que 40 mil combatentes fizeram recuar parte das forças imperialistas, que contam com um contingente na ordem de milhões.

Devemos comemorar essa vitória?

Aqui, há uma unidade entre os setores da esquerda: praticamente todos, com exceção do PCO, acreditam que o cessar-fogo não deve ser comemorado. As justificativas variam desde o caráter limitado da vitória até a alegação de que não seria uma vitória real.

É importante destacar que essas forças políticas acabam fazendo coro com o imperialismo e seus lacaios, sionistas ou não. A posição de que não houve uma vitória do Hamas é a mesma propagandeada pelo imperialismo e pelo Estado sionista, sendo levada adiante por aqueles que estão sob sua influência.

Nesse ponto, vale chamar atenção para a declaração de Trump, que afirmou que desejaria “limpar” a Faixa de Gaza e que “gostaria que o Egito levasse as pessoas. E gostaria que a Jordânia levasse as pessoas.” Trata-se de uma declaração politicamente muito custosa, mas necessária para tentar esconder a derrota sofrida perante o Hamas.

O custo político dessa derrota é tão grande que o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que, diante dessa política, pode se tornar “impossível a existência de um Estado palestino para sempre”. Na mesma questão, os governos do Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Catar, Autoridade Palestina e a Liga Árabe declararam que a tentativa de implementação dessa política “ameaça a estabilidade da região, arrisca expandir o conflito e mina as perspectivas de paz e coexistência entre seus povos”.

Se Trump não deseja enviar tropas ou aumentar o orçamento para “Israel”, essas declarações servem apenas para mitigar os danos causados pela derrota imposta pelo Hamas ao imperialismo, até que uma política mais efetiva seja definida. O foco em ocultar a derrota torna-se inegável quando Trump afirma, em relação à Faixa de Gaza, que pretende “tomá-la e garantir que o Hamas não volte”.

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Last Update: 12/02/2025