O ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, foi o mais direitista dos presidentes de esquerda da América do Sul no início do século XXI. Na última semana, um afilhado político seu venceu as eleições no Uruguai, o que alçou Mujica aos holofotes novamente. Agora a imprensa burguesa utiliza o ex-presidente, ídolo da esquerda pequeno-burguesa, para atacar Nicolás Maduro e a Venezuela. O Estadão repercutiu uma de suas entrevista com este objetivo. Ela foi publicada com o título: “‘Haverá uma revolução de dentro da Venezuela em algum momento’, diz Mujica sobre ditadura chavista”
Mujica afirma que: “tenho uma discordância íntima com regimes autoritários. O que eu não apoio é a intervenção externa. Os problemas da Venezuela devem ser resolvidos pelos venezuelanos. E, de qualquer forma, eles devem ser ajudados. Mas não interfiram. Haverá alguma revolução de dentro da Venezuela em algum momento”. Ele afirma aqui que não apoia a intervenção imperialista na Venezuela, mas isso não é verdade, quem afirma que a Venezuela é autoritária é o imperialismo, ou seja, na prática, Mujica está repercutindo a política imperialista.
Ele segue: “eles [Ortega e Maduro] não são esquerdistas, são autoritários. O autoritarismo na América Latina é um passo para trás. Nós o vivemos historicamente quando os Estados Unidos se intrometeram em todos os lugares. Mas agora também estamos atrapalhando”. Aqui ele conclui sua teste totalmente absurda, é mais uma manifestação extrema do golpismo da esquerda. Vale lembrar que os setores da esquerda que apoiaram o golpe contra Dilma, como o PSTU, também tinham a tese que o governo não era de esquerda. Mujica eleva isso ainda mais, afirma que não é de esquerda e que também são ditaduras.
Voltando para o argumento inicial de Mujica, que haverá em breve uma revolução na Venezuela. Isso é uma demonstração de que sua análise é totalmente desconectada da realidade. O governo de Chavez foi fruto de uma mobilização revolucionária dos trabalhadores após a tentativa de golpe de 2002. A revolução não levou a classe operária ao poder, mas criou o regime político do chavismo. Esse regime nunca passou por uma ruptura, como, por exemplo, aconteceu na URSS com a morte de Lênin. Maduro é a continuidade clara de Chavez, ou seja, seu governo é fruto da mobilização dos trabalhadores. Prova disso é que ele governa mobilizando constantemente a população.
Quem é responsável pela esmagadora maioria dos problemas dos trabalhadores na Venezuela, portanto não é Maduro, é o imperialismo, que chega a impor um bloqueio no país. Quando houver novamente a mobilização revolucionária na Venezuela, ela se dará contra o imperialismo, principalmente contra os EUA e seus aliados. Esses são os inimigos do povo venezuelano, e o mesmo vale para a Nicarágua. Mujica, ao taxar Maduro e Ortega de ditadores, oculta quem é o real inimigo e joga os trabalhadores contra dois de seus aliados. Ambos os governos se chocam com o imperialismo e por isso devem ser defendidos.
Esse posicionamento político é ainda pior vindo de uma figura da América Latina. Todos os governos de esquerda da América Latina devem ter como eixo central a união dos países contra o imperialismo dos EUA. Ortega e Maduro tem essa política, Mujica não tem. A realidade é que o argumento de Mujica deve ser invertido. Não é que Maduro não é “nem de esquerda e nem democrata”. Na prática, aqueles que tentam ser os grandes democratas, ou seja, aliados do Partido Democrata dos EUA, se aproxima cada vez mais da direita. Tende a se tornar o governo da esquerda neoliberal, uma esquerda falida que caminha para desintegração.
Apoia o golpe na Venezuela, não luta contra o golpe na Argentina
Mujica então comenta um pouco sobre a Argentina, afinal o caso de Milei é muito mais escandaloso que de Maduro e o de Ortega. A Argentina está sendo destruída por uma ditadura fascista, mas esses setores da esquerda estão sempre atacando Maduro e não falam nada de Milei. Para Mujica é preciso uma revolução na Venezuela para derrubar Maduro, já no caso de Milei o povo argentino é o culpado pelo erro.
Ele afirma: “o que o (presidente Javier) Milei fez na Argentina é uma loucura. É uma lição sobre o que a hiperinflação pode fazer com um povo. Uma nova lição histórica. Porque a República de Weimar entrou em colapso e as pessoas votaram em Hitler por causa da hiperinflação. E a Alemanha era o país mais culto, e o povo alemão, em desespero, fez uma coisa bárbara. O povo argentino também fez algo bárbaro (…). As pessoas também cometem erros. Se isso aconteceu com eles, pode acontecer conosco também”.
O caso da Argentina mostra como Mujica faz parte desse setor da esquerda dominado pelo imperialismo. Milei foi fruto do golpe de Estado na Argentina. Uma operação idêntica à Lava Jato impediu a candidata mais popular do país, Cristina Kirchner, de concorrer as eleições duas vezes. Isso fez com que um candidato direitista assumisse, Fernandez, e depois fosse derrotado nas eleições, pois o peronismo ficou ainda mais enfraquecido e sem a sua candidata forte. Mas Mujica não denuncia que Milei foi imposto por esse golpe imperialista, a culpa seria do povo argentino.
A tese de que a culpa é do povo é uma tese muito direitista. Ela é inclusive direitista no caso da Alemanha nazista. Não foi o povo que escolheu Hitler, foi o imperialismo que deu o golpe e a esquerda pequeno burguesa, incluindo o stalinismo, capitulou totalmente diante do golpe. Foi devido a figuras como Mujica, uma esquerda que não luta contra o imperialismo, que a extrema direita ascendeu na década de 1930 e também atualmente. Já Maduro e Ortega estão se chocando contra o imperialismo e nos seus países não cresce a extrema direita. A prática é o critério da verdade, o caso venezuelano é um sucesso total comparado ao que aconteceu no Uruguai.