
Começa um pouco antes do Natal e chega ao clímax no Reveillon. É a época do encerramento, da esperança no futuro, do projeto de felicidade mais próximo. Os olhos se enchem de lágrimas à meia-noite do dia 31 de dezembro com o coração estufado pela certeza do recomeço ou ficam perdidos no equacionamento das tarefas que vão facilitar as mudanças. O ano virou, são novos os tempos e as expectativas.
Todos passamos por isso. Não necessariamente de uma maneira intensa, como descrevi, mas o fim do ano sempre sugere, de forma geral, o fim de um ciclo. E ciclos, quando terminam, fazem-nos pensarmos nos que se iniciam. O recorte que ocorre na virada do ano torna mais real a sensação de que o jogo zerou, a vida recomeçou ou de que estão brancas as páginas do livro de uma nova história que vamos escrever a partir do minuto seguinte.
É um recorte artificial. Precisamos de rituais e de referências que nos obriguem a dar uma parada na rotina insana e automática dos dias. E as datas festivas, normalmente, provocam esse re-pensar a vida. Precisamos que algo ou alguém suspenda o tempo para que possamos refletir sobre nós ou sobre as pessoas e as coisas que nos importam e sobre o mundo que nos cerca.
Entretanto, na contramão dos fogos de artifício e dos gritos de alegria, as vozes de três poetas queridos ecoam na minha cabeça nessa data. São meus poemas favoritos de Ano Novo, sem firulas, sem bordados, sem imagens de falsa e romântica esperança, reais, crus, mas, ao mesmo tempo, poéticos (logicamente) e sinalizadores de que precisamos mudar o futuro e não esperar que as mudanças cheguem porque, simplesmente, o futuro chegou.

O primeiro poema é de Fernando Pessoa, chama-se “Ano Novo” e são estes seus versos:
Ficção de que começa alguma coisa!
Nada começa: tudo continua.
Na fluida e incerta essência misteriosa
Da vida, flui em sombra a água nua.
Curvas do rio escondem só o movimento.
O mesmo rio flui onde se vê.
Começar só começa em pensamento.
“Nada começa”. Pronto, o primeiro balde de água fria na mente de um sonhador. Nada começa, apenas continua.
Particularmente, gosto quando o poeta diz que a vida flui; como um rio, flui. Porque o verbo “fluir” contém uma ideia de movimento maior do que o verbo “continuar”. Continuar é dar sequência ao que se tem, ao que se vive, repetir os passos. Fluir é movimentação irregular, por caminhos inesperados; é continuidade no andar, subir e descer por pedras enquanto se deixar levar pela correnteza; é passar pelas curvas do rio. Gosto também quando diz que tudo percorre incerteza e mistério. Também quebra a ideia de estagnação: se apenas continua, lembramos que, mesmos nos caminhos conhecidos, a vida pode abrir-se em mistérios.
Perfeita a imagem que cria: a água, mesmo estando nua, flui em sombra