O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a declarar inconstitucional o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, reafirmando que o direito territorial dos povos originários é originário — isto é, anterior ao próprio Estado brasileiro. A decisão, tomada nesta quinta-feira (18), também determinou que a União conclua, em até 180 dias, todos os processos de demarcação pendentes no país.
Para a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o julgamento representa uma virada histórica. “O STF reafirmou o que diz a Constituição. Terra indígena é direito originário, não concessão do Estado. Essa decisão destrava demarcações paradas há anos e enfrenta uma tentativa injusta de apagar a história dos povos originários”, afirmou.
Marco temporal cai, demarcações avançam
O marco temporal é a tese segundo a qual apenas terras ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, poderiam ser demarcadas. A interpretação desconsidera expulsões forçadas, violências históricas e remoções promovidas pelo próprio Estado, especialmente durante a ditadura militar.
Ao derrubar novamente essa tese, o STF reconhece que a posse tradicional está ligada à ancestralidade, à cultura e à relação espiritual dos povos com seus territórios. Para o movimento indígena, a decisão destrava centenas de processos paralisados e reduz a insegurança jurídica que vinha alimentando conflitos fundiários e violência no campo.
Divergências e pontos sensíveis no julgamento
A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, Gilmar Mendes, que também validou a possibilidade de atividades econômicas em terras indígenas, desde que respeitada a posse coletiva e que os benefícios alcancem toda a comunidade. Houve, no entanto, divergências relevantes sobre indenizações, realocação de comunidades e contratos com não indígenas.
Ministros como Edson Fachin e Cármen Lúcia concordaram com a derrubada do marco temporal, mas alertaram para riscos de flexibilizações que possam fragilizar direitos constitucionais. Já André Mendonça foi o único a divergir quanto à constitucionalidade do marco, mantendo posição favorável à tese rejeitada.
Direito indígena, justiça histórica e futuro climático
Jandira Feghali destacou que a decisão vai além do aspecto jurídico. “É uma vitória da Constituição, da justiça e da vida indígena”, afirmou. Segundo dados de entidades indigenistas, o Brasil ainda tem centenas de terras indígenas sem qualquer providência administrativa, situação que agrava conflitos, invasões e crimes contra essas populações.
Além da dimensão histórica, organizações apontam que a proteção dos territórios indígenas é central para o enfrentamento da crise climática. Estudos indicam que essas áreas concentram os menores índices de desmatamento do país e funcionam como barreiras fundamentais contra a devastação ambiental.
Embate segue no Congresso
Apesar da decisão do STF, o tema permanece em disputa. O Senado aprovou recentemente uma proposta que tenta inserir o marco temporal na Constituição, o que pode reacender o conflito institucional. Para juristas e parlamentares progressistas, no entanto, mesmo uma emenda constitucional não poderia suprimir direitos fundamentais.