
Por Ana Sales
Da Página do MST
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
pra dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Trecho do Poema, “Tem gente com fome”.
Em um dos bairros mais negros do Recife, o bairro de São José, nasceu em 24 de julho de 1908, Francisco Solano Trindade. Solano significa, “Vento forte que vem de África”, filho do sapateiro Manuel Abílio Pompilio da Trindade e da quituteira dona Emerenciana Maria de Jesus Trindade.
Estudou no colégio Agnes Americano, onde fez o curso de teatro. Por um ano fez aulas de desenho no Liceu de Artes e Ofícios. Desde muito jovem, pela década de 1920, começou a compor seus poemas. Se inseriu na Academia do Comércio do Recife e foi também aluno ouvinte no Seminário Evangélico do Norte por cerca de 3 anos. Em 1935 casou com Margarida Trindade com quem teve 4 filhos – Raquel Trindade Souza, Godiva Solano Trindade da Rocha, Liberto Solano Trindade e Francisco Solano Trindade. Sua esposa era presbiteriana; sob sua influência, ele se tornou presbiteriano e assumiu a função de diácono. Logo depois em 1938 Solano rompe com o cristianismo, com a igreja Presbiteriana, pois considerava que ela dava pouca atenção as questões sociais e passa a ser ateu.
Ao longo da década de 1930 Solano Trindade teve uma participação ativa no debate racial brasileiro, buscando a inserção do negro na sociedade brasileira. Sua trajetória nesse caminho começou em 1936, na Frente Negra Pernambucana e fundando o Centro de Cultura Afro-brasileira do Recife, juntamente com Vicente Lima e Miguel Barros.

No programa do Centro de Cultura afro-brasileira constava o teatro social, o combate à inferioridade racial, curso de preparação profissional, reuniões culturais, cívicas e recreativas. Foi no Centro de Cultura que Solano passou a se definir como intelectual e poeta negro. Trindade deixa o Recife em 1940 e, com a família, foi atrás do sonho de viver de arte, no ano 1942, passou a atuar no Rio de Janeiro, que nesse momento era a capital federal, militando no campo social e político. Nessa fase da sua vida se filia ao Partido Comunista e assim começou a conjugar no seu pensamento raça e classe social.
Em 1944, feitos relevantes ocorrem na vida do poeta. Ele publica seu primeiro livro, e por conta disso é preso e indiciado pela Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), como subversivo. Nesse período a expressão poética de Solano Trindade tratava da exploração da classe trabalhadora e dos vínculos entre classe operária e a opressão racial. Na década de 1940 passou a fazer o que foi chamada de “poesia negra”, ou seja, uma poesia que não tinha nenhuma preocupação estética ocidental e primava pela mensagem em detrimento de regras estabelecidas por correntes poéticas. Como poeta publicou 3 livros: “Poemas de uma vida simples” (1944), “Seis tempos de poesias” (1958) e “Cantares ao meu povo”, em 1961. Através de suas poesias denunciava “gritando”, os anseios da multidão desfavorecida, não só do país, mas do continente americano. Um exemplo é o poema “Canto de América” escrito em 1944:
Blues! Swings! Sambas! Frevos! Macumbas! Jongos!
Ritmos de angústia e de protesto, estão ferindo os meus ouvidos!
São gemidos seculares da humanidade ferida, que se impregnaram
Nas emoções estéticas, da alma americana…
É a América que canta… esta rumba é um manifesto, contra os
Preconceitos raciais, Esta conga é um grito de revolta, contra as
injustiças sociais, Este frevo é um exemplo de aproximação e de igualdade…”
De acordo com a historiadora Maria do Carmo Gregório para Solano Trindade, o negro era a classe trabalhadora. Em que as transformações na vida do povo negro nas Américas significava uma mudança na situação dos trabalhadores. Solano Trindade como negro e trabalhador, elaborava suas poesias a partir de sua experiência pessoal, de sua identidade social e da dor dos seus irmãos de raça.
Seus poemas negros carregavam a consciência de raça, as violências sofridas durante o processo de escravidão e a esperança de coletivamente romper a marginalização e a exclusão social. Sua poesia tinha a missão de ser porta-voz de todos os oprimidos.
Já no teatro, Solano Trindade valoriza a arte popular brasileira, que na visão do poeta estava inserida na cultura negra. Na década de 1950, no Rio de Janeiro, Solano, juntamente com Édson Carneiro e Margarida Trindade criam o Teatro Popular Brasileiro. Esse teatro foi classificado como folclórico dramático e teria como função realizar debates raciais e promover o combate ao racismo. Nos espetáculos eram apresentados autos dramáticos, pantomimas, danças e cantos populares brasileiros, como bumba meu boi, maracatu, candomblé, frevo, caboclinhos e pastoril. Os idealizadores do Teatro Popular Brasileiro defendiam a necessidade de revitalização dos folguedos e a ampliação de oportunidades de apresentação dos grupos populares. Os artistas que compunham o Teatro Popular Brasileiro eram selecionados nos morros, rodas de samba e terreiros de macumba do Rio de Janeiro. Nosso poeta desejava preservar o que considerava ser as tradições culturais do seu povo. O grupo fez apresentações no exterior, mas os pagamentos recebidos garantiram o sustento do grupo por um tempo limitado. As dificuldades financeiras eram frequentes e essa realidade junto a promessas de exibições no teatro e na televisão pesou na decisão de Solano e do Teatro Popular Brasileiro, em se mudar para São Paulo, em 1957.
O trabalho de Solano Trindade com a arte e o folclore resultou na projeção da cidade de Embu como espaço de referência para a cultura negra. Lá ele participou de um grupo de artistas plásticos e se empenhou na produção artística da cultura negra e das tradições afro-brasileiras. A realização de espetáculos atraiu público e estimulou o desenvolvimento da pintura e do artesanato local. A pequena Embu transformou-se em Embu das artes e virou atração turística. Por conta dos seus feitos uma escola situada na região central do município, para homenageá-lo, tem o seu nome. Solano morreu de pneumonia, em 1974, no Rio de Janeiro, mas já vinha sofrendo com arteriosclerose, que debilitou sua saúde física e mental desde 1971. Foi um dos maiores pensadores negros sobre a cultura popular no século XX.
Solano Trindade foi um poeta, teatrólogo, ator, pintor, militante do movimento negro e do Partido Comunista. Em sua vida Solano difundiu uma mensagem revolucionária de que parte do projeto civilizatório para o país seria desenvolvido pelos negros e para os negros.
*Editado por Solange Engelmann