Por Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
Provocou enorme comoção em Gaza — e uma onda mundial de indignação — o assassinato, no último domingo (10 de agosto), dos jornalistas Anas Al-Sharif, Mohammed Qreiqeh, Ibrahim Zaher, Mohammed Noufal e Moamen Aliwa (os três últimos repórteres-cinematográficos), todos da emissora Al Jazeera, do Qatar.
A equipe de jornalistas foi alvo de um ataque aéreo premeditado de Israel na noite de domingo. “Num minuto, eles estavam reportando o bombardeio crescente de Israel na Cidade de Gaza. E no minuto seguinte, tornaram-se vítimas”.
Forças israelenses bombardearam uma tenda que abrigava os repórteres em frente ao portão principal do Hospital Al-Shifa. O repórter freelancer Mohammed al-Khaldi também está entre os mortos.
A Al Jazeera Media Network condenou os assassinatos como “mais um ataque flagrante e premeditado à liberdade de imprensa”. “Este ataque ocorre em meio às consequências catastróficas do atual ataque israelense a Gaza, que tem causado o massacre implacável de civis, fome forçada e a destruição de comunidades inteiras”, disse a rede.
“A ordem para assassinar Anas Al Sharif, um dos jornalistas mais corajosos de Gaza, e seus colegas, é uma tentativa desesperada de silenciar as vozes que expõem a iminente tomada e ocupação de Gaza”, disse a emissora, apelando à comunidade internacional e a todas as organizações relevantes para que “tomem medidas decisivas para pôr fim a este genocídio em curso e acabar com os ataques deliberados a jornalistas”.
A Al Jazeera enfatiza, ainda, que “a imunidade dos perpetradores e a falta de responsabilização encorajam as ações de Israel e encorajam ainda mais a opressão contra testemunhas da verdade”.
O jornalista Hani Mahmoud, outro correspondente da Al Jazeera, que estava a apenas um quarteirão de distância quando o ataque aconteceu, disse que reportar o assassinato de al-Sharif foi a coisa mais difícil que ele teve que fazer nos últimos 22 meses de guerra.
Mahmoud, que trabalha para o canal em inglês da rede, disse que os repórteres foram mortos “por causa de suas reportagens implacáveis sobre a fome e a desnutrição” sofridas pelos palestinos em Gaza, “porque eles estão trazendo a verdade desse crime para todos”.
Outro colega, o jornalista Mahmoud Abu Salama, postou um vídeo no qual chora enquanto fala do assassinato de Anas Al-Sharif: “Assassinado por nazistas e a culpa é do mundo que assiste. Vamos continuar a cobertura por Anas e todos os jornalistas assassinados”, prometeu.
Sem provar, Israel acusa repórter de chefiar “célula do Hamas”
O Exército israelense assumiu o assassinato deliberado de Al-Sharif, acusando o jornalista de liderar uma célula do Hamas e “lançar ataques com foguetes contra civis israelenses e tropas [israelenses]”. Alegou também possuir documentos que fornecem “provas inequívocas” de seu envolvimento com o grupo palestino.
As acusações foram refutadas pela Al Jazeera, pelo Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ, de Nova York), pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e por outras organizações.
Muhammed Shehada, analista do Euro-Med Human Rights Monitor, disse que não há “nenhuma evidência” de que Al-Sharif tenha participado de quaisquer hostilidades. “Toda a sua rotina diária era ficar em frente a uma câmera, da manhã à noite”, disse ele à Al Jazeera.
O repórter de apenas 28 anos fazia parte de uma equipe da Reuters que, em 2024, ganhou o Prêmio Pulitzer na categoria Fotografia de Breaking News pela cobertura da guerra em Gaza.
Em julho, depois que Avichai Adraee, porta-voz do Exército de Israel, compartilhou nas redes sociais um novo vídeo de acusações a Al-Sharif por supostamente integrar a ala militar do Hamas, a relatora especial das Nações Unidas sobre liberdade de expressão, Irene Khan, disse estar “profundamente alarmada com as repetidas ameaças e acusações do Exército israelense” contra o jornalista palestino.
O CPJ já havia se posicionado sobre o assunto, acusando o exército israelense de realizar uma “campanha de difamação” contra o jornalista, retratando-o em publicações online como membro do Hamas.
Apenas uma hora antes de as forças israelenses apoiadas pelos EUA matarem Al-Sharif, ele alertou no X (ex-Twitter): “Se essa loucura não acabar, Gaza será reduzida a ruínas, as vozes de seu povo silenciadas, seus rostos apagados — e a história se lembrará de vocês como testemunhas silenciosas de um genocídio que vocês escolheram não impedir”.
A RSF destacou que, desde o início do conflito, jornalistas da Al Jazeera têm sido alvos recorrentes de Israel. “A equipe da Al Jazeera e Anas Al-Sharif estavam se preparando para a possibilidade de tal ataque”, declarou Thibaut Bruttin, diretor-geral da organização, à RFI, nesta segunda-feira. “Foi por isso que ele escreveu uma carta que foi tornada pública pela Al Jazeera nas horas seguintes à sua morte”.
Na Cidade de Gaza, “multidões carregaram os corpos do correspondente Anas Al-Sharif e seus colegas, que para muitos no mundo de língua árabe foram os rostos e as vozes dos últimos 22 meses de guerra”, relatou o The Washington Post. Sharif, de 28 anos, era talvez o mais reconhecível, com uma presença quase constante no ar vinda do norte de Gaza, duramente atingido”.
O Post também observou que o Exército de Israel (IDF) não divulgou provas que indiquem o envolvimento de Sharif em atividades militares durante o conflito atual. “A organização não acusou nenhum dos outros jornalistas mortos de ter vínculos com militantes. Questionada sobre os outros mortos no ataque, as IDF disseram que não tinham mais comentários”.
O Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) também se manifestou sobre o crime de guerra cometido por Israel contra a equipe da Al Jazeera.
O porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, condenou o assassinato de seis jornalistas, “e afirmou que pelo menos 242 jornalistas foram mortos em Gaza desde o início da guerra”.
Mais cedo, “dezenas de pessoas em luto se reuniram no pátio do hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza, para prestar homenagem aos seis mortos no domingo”, registrou a Agência France Press.
O Conselho de Segurança da ONU se reuniu, na véspera, para rechaçar os planos colonialistas e supremacistas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de “tomar Gaza”. Apenas os EUA se manifestaram em defesa de Israel.
Abaixo a nota da Fenaj sobre o múltiplo assassinato de domingo, 10 de agosto.
FENAJ condena assassinato de jornalistas da Al Jazeera em Gaza
A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) repudia, com a máxima veemência, o ataque deliberado das forças israelenses que matou seis profissionais da Al Jazeera, incluindo o correspondente Anas al-Sharif, na noite de 10 de agosto, em uma tenda que abrigava jornalistas em frente ao Hospital Al Shifa, na Cidade de Gaza. O ataque, que também vitimou os jornalistas Mohammed Qreiqeh, Ibrahim Zaher, Mohammed Noufal, Moamen Aliwa e, posteriormente, o fotojornalista Mohammed Al-Khaldi, configura crime de guerra e afronta o direito internacional humanitário.
A FENAJ se solidariza com as famílias, colegas de trabalho e com todos os profissionais que atuam em Gaza sob risco extremo, e se une à Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e ao Sindicato dos Jornalistas Palestinos (PJS) na exigência de responsabilização dos autores desse crime hediondo.
A Federação também denuncia a campanha de difamação promovida por autoridades israelenses contra jornalistas palestinos, que cria um ambiente permissivo para a violência e viola frontalmente a liberdade de imprensa.
Reiteramos o apelo para que os Estados-membros da ONU aprovem uma convenção internacional vinculante para a proteção e segurança de jornalistas, e para que os crimes contra profissionais da mídia sejam devidamente julgados no Tribunal Penal Internacional.
Brasília, 11 de agosto de 2025
Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ