A tarifa de 50% imposta por Donald Trump aos produtos brasileiros não é apenas uma medida econômica, mas uma tentativa de dobrar o Brasil pelo braço. Um embargo político com múltiplas camadas, que inclui a defesa explícita do golpista Jair Bolsonaro, o incômodo com a atuação da Justiça brasileira com as big techs e, segundo interlocutores do governo norte-americano, o olho gordo nos minerais estratégicos da Amazônia.

Diante disso, parte da elite empresarial e da imprensa tradicional já tem uma resposta na ponta da língua: “é melhor o Brasil correr e fechar logo um acordo com a Casa Branca”. 

O detalhe, convenientemente ignorado por esses setores, é que Trump costuma romper acordos com a mesma rapidez com que os assina — especialmente quando percebe fraqueza do outro lado da mesa.

Foi o que alertou nesta segunda-feira (28) o economista Robert Reich, ex-secretário do Trabalho no governo Clinton: “É impossível fazer um acordo com um tirano, porque um tirano nunca está satisfeito”. 

A frase pode servir de aviso a universidades, empresas e governos estrangeiros — mas vale dobrado para o Brasil, que não pode se iludir com promessas frágeis feitas sob ameaça.

A ideia de que um acordo com Trump pode garantir estabilidade econômica ou previsibilidade comercial não resiste ao histórico do próprio ex-presidente. 

Ele rompeu unilateralmente tratados assinados por ele mesmo, rasgou compromissos internacionais e usou negociações como fachada para chantagens políticas. Não se trata de imprevisibilidade — é método.

O exemplo mais emblemático da instabilidade nos acordos firmados por Donald Trump está nas relações com os vizinhos mais próximos dos Estados Unidos: México e Canadá. Ainda em seu primeiro mandato, Trump rasgou o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), em vigor desde 1994, acusando o tratado de ser “um desastre” para a indústria e os empregos norte-americanos.

Após anos de ameaças e renegociações, ele costurou um novo pacto: o USMCA, assinado em 2020 como uma suposta modernização do Nafta. Trump comemorou o feito como uma “vitória histórica” e garantiu que o novo acordo traria previsibilidade e equilíbrio às relações comerciais do continente.

Mas bastou voltar ao poder, em seu segundo mandato, para Trump simplesmente ignorar o tratado que ele próprio havia assinado. Em fevereiro de 2025, impôs tarifas de 25% sobre todas as importações do México e do Canadá, alegando que os dois países estariam sendo coniventes com o tráfico de drogas e imigrantes ilegais na fronteira sul.

Também acusou os governos vizinhos de não cooperarem com suas políticas de “segurança nacional”, conceito que passou a usar como justificativa genérica para ações unilaterais. Na prática, o USMCA foi desrespeitado antes mesmo de completar cinco anos de vigência.

A resposta dos parceiros veio com indignação e retaliação. O Canadá revidou com tarifas sobre US$ 20 bilhões em produtos americanos, enquanto o México recorreu à OMC. Mas o episódio já havia deixado clara a lógica trumpista: acordos servem apenas enquanto forem úteis a seus interesses imediatos — e podem ser abandonados sem aviso prévio, mesmo que assinados com pompa e celebrados como conquistas nacionais.

Robert Reich resumiu bem essa lógica em seu artigo mais recente: “Trump não considera acordos como compromissos. Ele os vê como blefes — até encontrar um motivo para romper.” A experiência de México e Canadá deveria servir de alerta a qualquer país pressionado a “ceder” em nome da estabilidade: com Trump, estabilidade não existe.

Acordos frágeis, chantagem permanente: o caso da UE e de Columbia

A lista de vítimas da diplomacia coercitiva de Trump não pára no México e no Canadá. No último domingo (27), a União Europeia — pressionada pela ameaça de um tarifaço semelhante ao imposto ao Brasil — decidiu ceder. 

Aceitou uma tarifa de 15% sobre produtos industriais exportados ao mercado norte-americano e, além disso, se comprometeu com contrapartidas bilionárias em compras de energia, produtos farmacêuticos e equipamentos militares dos EUA. 

A justificativa era evitar algo pior. O problema é que, como Trump já demonstrou, sempre pode haver algo pior na semana seguinte.

O acordo foi firmado sem reciprocidade clara e, segundo fontes diplomáticas citadas pelo Financial Times, sob clima de intimidação. A imprensa francesa e alemã tratou o gesto como uma capitulação econômica, e não como solução negociada. 

Parlamentares em Bruxelas alertaram que o tratado sequer tem garantias legais sólidas e que qualquer desacordo técnico pode virar pretexto para novas sanções.

No plano interno dos EUA, a lógica se repete. A Universidade de Columbia, pressionada por ameaças de cortes de financiamento e processos judiciais, firmou um acordo com o governo Trump para evitar sanções. 

Mas a paz pode durar pouco. Como alertou o economista Robert Reich, qualquer protesto estudantil, discussão crítica em sala de aula ou artigo publicado por um aluno pode ser tratado como “violação contratual”. Na prática, Columbia aceitou um pacto precário com um governo que não esconde sua intenção de suprimir a dissidência nas universidades.

Reich foi direto: “Dar qualquer coisa a Trump só o encoraja a exigir mais.” O que vale para reitores também vale para presidentes de países. Com Trump, a lógica da negociação é invertida: quanto mais se cede, mais se perde.

Lula acerta ao negociar sem se submeter — e ao construir alternativas

O governo Lula tem sido pressionado por diversos setores a correr para um acordo com os Estados Unidos, como se ceder agora pudesse conter a escalada tarifária e garantir previsibilidade ao comércio bilateral. Mas os fatos indicam o contrário: quem cede a Trump, perde duas vezes — ao abrir mão da soberania e ao confiar em promessas que não serão cumpridas.

Isso não significa que o Brasil deva abandonar as mesas de negociação. Pelo contrário: Lula acerta ao manter presença ativa no debate comercial global, inclusive com os Estados Unidos, exigindo respeito às normas internacionais e defendendo os interesses do país. Mas negociar não é ajoelhar. É preciso combinar firmeza política com ações práticas de redução da dependência econômica.

Algumas dessas ações já estão em curso. A entrada da bandeira chinesa UnionPay no mercado brasileiro e a internacionalização do Pix como sistema alternativo de pagamentos sinalizam que o Brasil não pretende ficar refém de mecanismos controlados unilateralmente por Washington. 

Ao mesmo tempo, o governo tem mobilizado instrumentos legais — como a Lei da Reciprocidade e a ação diplomática na OMC — para enfrentar a escalada protecionista com base em princípios de soberania e igualdade.

A pressão vai aumentar. Trump não busca parceiros — busca subordinados. E qualquer país que tente agradá-lo com concessões unilaterais logo descobrirá que, na lógica do trumpismo, não há acordo suficientemente bom, nem aliado suficientemente leal. Há apenas uma exigência permanente por submissão. O Brasil não deve seguir por esse caminho — e, até agora, felizmente, não seguiu.

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Last Update: 29/07/2025