Diante da decisão unilateral do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados aos EUA — com vigência a partir de 1º de agosto —, o governo brasileiro avalia uma retaliação estratégica e inédita: a suspensão de direitos de propriedade intelectual de empresas norte-americanas. Entre as possibilidades estão a quebra de patentes de medicamentos, sementes agrícolas e tecnologias, além da suspensão de royalties audiovisuais e aumento de tributos sobre remessas de dividendos de multinacionais dos EUA instaladas no país.

A medida, segundo o economista Wellington Duarte, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), está respaldada na chamada Lei de Reciprocidade Econômica, sancionada em abril e ainda pendente de regulamentação. “Trata-se, na prática, de um mecanismo de troca de catiripapos comerciais, uma espécie de confronto simétrico entre países em conflito econômico”, resume Duarte em comentário ao Portal Vermelho.
Instrumento político eficaz, mas economicamente limitado
Para o economista, utilizar a quebra de patentes como instrumento de retaliação tem um peso simbólico e político considerável. “É, de fato, uma resposta à altura da ação escandalosa de Trump”, diz. No entanto, ele adverte que os efeitos econômicos reais da medida dependem de algo que o Brasil hoje não possui em escala suficiente: uma base industrial e científica sólida para absorver a suspensão das patentes e transformá-la em produção e inovação.
“Seria necessário que tivéssemos uma estrutura industrial e tecnológica capaz de responder rapidamente, ocupando esse espaço aberto com produção nacional. Mas o processo de desindustrialização que assola o Brasil há décadas limita essa possibilidade, ao menos no curto prazo”, analisa.
Artilharia jurídica pronta, mas sem execução imediata
Segundo apuração da imprensa e fontes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), um mapeamento completo de medidas possíveis foi entregue ao Palácio do Planalto. Trata-se de um inventário das armas disponíveis — não da confirmação de que serão utilizadas.
O levantamento inclui:
- Suspensão de patentes farmacêuticas e agrícolas;
- Tributação sobre royalties audiovisuais;
- Aumento da carga tributária sobre remessas de lucros de multinacionais americanas;
- E eventuais tarifas seletivas sobre bens de consumo final dos EUA.
A análise interna do governo, no entanto, já descartou uma resposta automática com tarifas sobre produtos americanos, pois grande parte das importações vindas dos EUA corresponde a bens intermediários — insumos usados na indústria nacional. Sobretaxá-los encareceria a produção no Brasil. Já os bens de consumo final norte-americanos têm baixa participação no mercado brasileiro, o que os tornaria retaliações inócuas.
Uma carta que reacendeu a disputa
O novo capítulo da tensão entre Brasil e EUA começou no último dia 9, quando o governo recebeu uma carta oficial de Trump, comunicando a decisão de aplicar uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras. A justificativa apresentada foi a suposta retaliação a “ataques comerciais digitais” de empresas brasileiras contra gigantes tecnológicas americanas.
Em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a medida como “inadmissível”, anunciou que o Brasil recorrerá à Organização Mundial do Comércio (OMC) e afirmou estar pronto para ações proporcionais e firmes.
O que é a Lei de Reciprocidade Econômica?
Sancionada por Lula em abril deste ano, a Lei de Reciprocidade Econômica autoriza o governo a adotar contramedidas comerciais contra países que apliquem medidas lesivas ao Brasil, como tarifas unilaterais. Entre os mecanismos previstos está a suspensão de direitos de propriedade intelectual, como patentes, marcas registradas e direitos autorais.
Embora o texto ainda dependa de um decreto para ser regulamentado, ele prevê dois caminhos:
- Um rito ordinário, com consulta pública e parecer da Camex;
- E um rito emergencial, para casos urgentes, sob decisão de um comitê interministerial.
Em ambos os casos, é exigido que haja comunicação diplomática formal antes da adoção das medidas, privilegiando a tentativa de solução negociada.
Um movimento com riscos e precedentes
A adoção de medidas relacionadas à propriedade intelectual, embora respaldada por acordos da OMC — como o Acordo TRIPs —, não está livre de riscos. A quebra de patentes pode gerar insegurança jurídica, afugentar investimentos e desencadear retaliações adicionais por parte dos EUA.
A ideia, contudo, não é nova. Em 2014, durante uma disputa na OMC envolvendo subsídios ao algodão, o Brasil cogitou suspender a proteção a filmes e produtos culturais norte-americanos. A medida acabou não sendo executada, pois os EUA aceitaram pagar compensações financeiras ao Brasil.
Propriedade intelectual como nova fronteira das disputas comerciais
A reação brasileira — caso avance para o campo da propriedade intelectual — marca uma mudança de paradigma nas respostas às medidas protecionistas. Uma estratégia “cirúrgica” mais eficaz do que um simples jogo de tarifas, em que o troco com tarifa de 50% seria em cima de um produto que o Brasil mal importa. Com isso, o Brasil cria desconforto político no entorno de Trump, pressionando setores estratégicos dos EUA.
Ainda que controversa, a possível quebra de patentes recoloca o Brasil como ator com iniciativa própria em disputas comerciais, e não apenas como réu. Para Wellington Duarte, o gesto poderia abrir uma janela para reindustrialização, desde que o país tenha um plano de médio e longo prazo. “Sem base produtiva, essa retaliação corre o risco de virar apenas retórica”, conclui o economista.