O governo federal apresentou o pacote de ajuste fiscal, uma exigência dos banqueiros que já são responsáveis por abocanhar mais da metade do orçamento nacional. O pacote foi apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB) e Rui Costa (PT), atual ministro da Casa Civil. A apresentação do plano contou ainda com a participação dos ministros Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação) e Esther Dweck (Gestão e da Inovação em Serviços Públicos).

Conforme admitido pela própria equipe econômica, o objetivo do pacote é “cortar gastos”. Isto é, reduzir os gastos da máquina pública. Como veremos, isso significa fazer com que os trabalhadores paguem ainda mais caro para sustentar a farra dos capitalistas que tomam de assalto as riquezas do País.

O pacote foi antecedido por um anúncio enganoso. Na quarta-feira (27), Haddad fez um pronunciamento em rede de televisão para anunciar que a faixa de isenção do Imposto de Renda finalmente atingiria o patamar dos R$5 mil. Uma medida que, ainda que positiva, acaba sendo apenas uma cortina de fumaça em meio a tanto arrocho.

O primeiro problema da medida apresentada pelo governo é que ela de fato corrige a faixa de isenção histórica – de acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), se houvesse a correção completa da tabela do imposto de renda com a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 1996 até agora, a faixa de isenção deveria ser de até R$ 5.084,04, o que é muito próximo do que foi anunciado pelo governo. No entanto, os mesmos cálculos mostrariam que a alíquota mais alta, de 27,5%, só deveria ser paga por aqueles que têm vencimentos superiores a R$12.455,7, e a não a R$5 mil, como anunciou o governo. De certa forma, a isenção será sustentada por meio da expropriação de pessoas que deveriam pagar uma alíquota menor.

O maior problema do imposto de renda, no final das contas, permanece. Trata-se de um imposto sobre o salário, e um imposto que continuará incidindo sobre parte da classe operária. Afinal, o salário mínimo vital, que permitiria um trabalhador sustentar a sua família, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), corresponde hoje a R$6.657,55. Enquanto isso, a atividade lucrativa dos capitalistas não é taxada. O Brasil, graças ao governo de Fernando Henrique Cardoso, é um dos dois únicos no mundo onde não se taxam dividendos.

A faixa de isenção do imposto de renda não é a única coisa apresentada enganosamente como positiva. O governo afirma, em seu plano, que, “com a valorização real do salário-mínimo e o bom ritmo do mercado de trabalho, o abono [salarial] deixou de ser pago apenas aos trabalhadores que ganham menos”. Acontece que o abono salarial é um benefício no valor de um salário mínimo por ano para aqueles que recebem até dois salários-mínimos – isto é, menos da metade do salário mínimo vital proposto pelo DIEESE. Ainda que haja uma tímida valorização do salário-mínimo no terceiro mandato do governo Lula, o abono continua sendo uma necessidade.

O governo alega ainda que o critério de acesso ao benefício hoje representa mais de 85% da renda real média do trabalhador brasileiro. Esse dado apenas revela a situação falimentar da economia brasileira, e não uma melhora real nas condições de vida dos trabalhadores. Apenas mostra que a preocupação de um governo de esquerda deveria ser o de impulsionar o desenvolvimento do País, e não o de restringir benefícios, de modo a impedir o povo de morrer de fome.

Haddad procura apresentar seu plano como uma garantia de que o abono continuará sendo pago para “os que mais precisam”. Na prática, o plano se reduz a uma proposta para a redução do alcance do benefício. Afinal, o plano de Haddad é fazer com que a faixa daqueles que têm direito ao benefício diminua progressivamente, até que, em 2035, apenas estejam aptos aqueles que recebem 1,5 salário-mínimo.

Em pronunciamento, o ministro da Fazenda chegou ao cúmulo de dizer que o abono salarial, “num certo sentido, perdeu a sua razão de ser”, uma vez que foram criados novos programas sociais. Era melhor ter ficado calado.

O salário-mínimo, por sua vez, é certamente a parte mais negativa de todo o pacote. Durante os governos golpistas de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), o reajuste obrigatório do salário-mínimo obedecia apenas à reposição da inflação. Ao assumir seu terceiro mandato, Lula criou um mecanismo tímido, mas positivo, de vincular o reajuste não apenas à reposição da inflação, mas também ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Isto é, se o PIB crescesse 1%, o salário-mínimo aumentaria em 1%, além da reposição da inflação; se o PIB crescesse 15%, o salário-mínimo aumentaria em 15%, além da reposição da inflação.

O Plano Haddad, contudo, visa, limitar o progresso estabelecido por Lula no início do mandato. O governo estabeleceu que, embora o salário-mínimo deva ser reajustado de acordo com o crescimento do PIB, esse reajuste terá de ser limitado de acordo com as regras do arcabouço fiscal, de tal forma que ele será sempre limitado a um aumento entre 0,6% e 2,5%. Isto é, na prática, o governo estabeleceu, pela primeira vez na história, um teto para o salário-mínimo. Algo que nem Fernando Henrique Cardoso conseguiu.

De acordo com estimativas da Folha de S.Paulo, em 2030, o salário-mínimo será R$94 menor graças ao Plano Haddad.

A justificativa é lamentável e bastante reveladora da situação atual do governo. Diz o plano: “nossa proposta garante que o aumento real do salário-mínimo seja sustentável dentro do orçamento da União”. Ora, mas o que quer dizer “sustentável dentro do orçamento da União”? O que limita tal orçamento?

O governo sabe a resposta. O orçamento da União é estrangulado pelos bancos. De acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida, no ano de 2023, R$1,89 trilhão foi destinado ao gasto com juros e amortizações da dívida pública, correspondente a 43,23% de todos os gastos. Não fosse a dívida pública, não haveria necessidade de qualquer teto para o salário-mínimo ser “sustentável”.

Outra parte muito alarmante do Plano Haddad é o que diz respeito à assistência social. Sob o pretexto de combater fraudes e otimizar os recursos públicos, o plano cria novos entraves burocráticos para impedir a participação de mais pessoas nos programas sociais. O pacote inclui desde restrições ao cálculo de renda familiar até a imposição de exigências tecnológicas, como biometria, afetando milhões de beneficiários.

A nova regra estabelece que a renda de cônjuges ou companheiros que não vivem na mesma casa será considerada para fins de elegibilidade ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Além disso, a renda de irmãos, filhos e enteados que residem no mesmo domicílio também passa a ser computada, mesmo que esses membros sejam economicamente independentes. Isso significa que uma pessoa idosa ou com deficiência que vive sozinha e depende do benefício pode ser excluída caso o ex-cônjuge ou filhos com quem não compartilham renda formalmente tenham rendimentos superiores ao limite permitido.

Outra mudança proposta por Haddad é a obrigatoriedade dos beneficiários de atualizar seus cadastros obrigatoriamente a cada 24 meses. Além disso, a biometria será obrigatória tanto para novas inscrições quanto para atualizações cadastrais, tanto no Bolsa Família quanto no BPC. Quem não cumprir esse requisito poderá ser automaticamente excluído do programa. A exigência afetará principalmente populações que vivem em áreas rurais ou sem acesso a transporte público e informações sobre os prazos de atualização.

O Plano Haddad também vai limitar a inclusão de famílias unipessoais (aquelas compostas por apenas uma pessoa) em municípios onde o percentual de beneficiários nessa categoria ultrapasse um limite determinado pelo governo. Além disso, a inscrição ou atualização dessas famílias deverá ser feita obrigatoriamente por meio de visita domiciliar. Uma mulher que mora sozinha em uma cidade onde há um alto número de famílias unipessoais no Bolsa Família, por exemplo, poderá ter o benefício negado ou enfrentará um processo extremamente burocrático para comprovar sua situação, a depender da quantidade de casos em seu município.

O governo ainda anunciou que concessionárias de serviços públicos, como empresas de água e energia, deverão fornecer informações de seus bancos de dados para viabilizar cruzamentos de dados com os cadastros dos beneficiários. Essa medida mostra que o governo, em sua preocupação extremada em realizar cortes sociais, perdeu completamente o senso do ridículo. Enquanto irá mobilizar o aparato do Estado para investigar cada conta de luz da população pobre, os grandes sonegadores de impostos continuam impunes, sem que haja qualquer “pente fino”. Assim como continuam impunes os criminosos responsáveis por entregar as grandes empresas do País por um preço de pinga à iniciativa privada.

Outra enganação do Plano Haddad está na questão dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Segundo o pacote, 20% do fundo serão obrigatoriamente destinados à implementação da educação integral. O problema dessa medida é que o Fundeb já era um fundo instituído, já era um recurso que seria destinado aos municípios. A verba para o ensino integral, por sua vez, era uma promessa do governo federal, um projeto que deveria ser encaminhado pelo Ministério da Educação. Na prática, o governo está deixando de utilizar seus recursos para implementar o programa – está, portanto, reduzindo o orçamento para a educação. E ainda está obrigando os municípios a utilizar parte do recurso do Fundeb, que normalmente é utilizado em áreas prioritárias, como infraestrutura, pagamento de professores e outras necessidades locais, para o programa do ensino integral, o que muitas vezes está em desacordo com os interesses das gestões locais.

Há ainda dois aspectos importantes do pacote que estão sendo erroneamente apresentados como grande vitória. O primeiro deles é a suposta taxação de grandes fortunas. Não há uma única linha no pacote sobre isso – há apenas a especulação de que, futuramente, o governo apresentará uma proposta sobre o assunto. O outro é a mudança em benefícios dos integrantes das forças armadas, como a extinção da transferência de pensão e o fim da “morte fictícia” (isto é, o fim do benefício para o militar que foi desligado das forças armadas).

As mudanças no caso dos militares, no entanto, são morais. Isto é, não têm um efeito prático, mas servem apenas para justificar o corte em outras áreas.

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Last Update: 29/11/2024