A crítica é má conselheira no jornalismo. Tenho também minhas críticas e admito isso. Mas a crítica de Elio Gaspari com o Ministro da Justiça Ricardo Lewandowski ultrapassa o bom senso.

Agora, ele critica Lewandowski por pretender ampliar a atuação da Polícia Rodoviária Federal. Tem razão quando diz que a imagem da PRF foi arruinada com a parceria armada com Flávio Bolsonaro. Na época, a PRF era chefiada por Silvinei Vasques. Este se tornou réu por improbidade administrativa em novembro de 2022, foi preso preventivamente em agosto de 2023, perdeu 12 quilos e, sem a armadura do cargo, chora feito criança.

O que pretende o Elio? Que se condene a instituição para sempre? Que tal estender as condenações ao Supremo Tribunal Federal, por sua participação na conspiração dos anos 2010? Ou à mídia? Ou ao Ministério Público Federal? Ou à própria Polícia Federal, que até hoje não puniu os abusos dos policiais envolvidos na Lava Jato?

Há que se ter um mínimo de bom senso.

Hoje em dia, o país é interligado por uma rede de rodovias, ferrovias, hidrovias, todas desaguando nos portos e servindo de canal para o tráfico de drogas. A PRF só tem competência para fiscalizar as rodovias. Não existe mais a Polícia Ferroviária Nacional, por falta de interesse nas ferrovias e, menos ainda, a Polícia Hidroviária Nacional. Ou seja, não se fiscalizam as hidrovias, as ferrovias e os portos. É um canal aberto para o crime organizado, que hoje abastece a Europa e, quando houver a interligação com o Pacífico, chegará ao Oriente.

Todo governo tem uma polícia judiciária – a Polícia Civil – e uma polícia ostensiva – a Militar. Para combater o crime organizado, o governo federal tem a polícia judiciária – a Polícia Federal -, mas não tem a política ostensiva. E há tempos o crime organizado deixou de ser local.

A PRF é a única polícia federal capilarizada, com superintendências em cada estado, delegacias nas cidades, atuando até em reservas indígenas, como é o caso das terras dos Yanomani no Rio Grande do Sul. E com Silvinei mofando na cadeia.

A proposta de Lewandowski é simples.

Primeiro, cria uma diretoria para ferrovias e hidrovias no âmbito da própria PRF. Depois, monta uma corregedoria nacional para coibir os abusos das policiais federais como um todo.

Qual a alternativa proposta por Gaspari? Será que propõe a criação de uma nova polícia, com novas instalações, novas organização, nova diretoria? Seria simples conferir a viabilidade da proposta. Bastaria Gaspari apresentar para a diretoria de O Globo ou da Folha, jornais que publicam sua coluna.

E os abusos? O caminho é a criação da corregedoria nacional, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público – que têm funções essenciais, apesar da baixa atuação do CNMP.

O Sistema Único de Segurança Pública

Mas este é apenas um dos pontos do novo plano nacional de segurança pública.

O crime organizado espalhou-se por todo o país.

Dos 7 mil postos de gasolina, mil estão nas mãos do crime organizado. Algumas organizações criminosas já controlam usinas de álcool, distribuição de combustível. Já existem os narco-evangélicos. No Norte do país, há consórcios do crime, entre garimpo ilegal, tráfico e desmatamento. Há Organizações Sociais controladas pelo PCC e outros grupos, atuando junto às prefeituras, especialmente nas áreas de saúde, lixo e construção civil.

A proposta de Lewandowski é objetiva: a criação de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) espelhado no exemplo do Sistema Único de Saúde, definindo claramente as atribuições de cada parte do modelo tripartite – União, estados e municípios.

A criação do SUSP depende exclusivamente de lei ordinária. Mas, se não houver definições claras na Constituição, o Ministério da Justiça não conseguirá impor diretrizes nacionais.

Por isso, a proposta do SUSP é uma PEC, com 6 artigos. Haverá a regulamentação do fundo de segurança pública, a definição clara do papel da Polícia Federal, a regularização do papel da Polícia Rodoviária Federal. E haverá o poder da União de editar normas de segurança pública e sistema prisional a serem seguidas por estas instituições, pelas polícias militares e civis sob o comando dos Estados.

A exemplo do SUS, não se trata de intervir nessas polícias, que continuarão sob controle direto dos estados, mas de definir normas nacionais.

O ponto inicial de combate ao crime nacional (e transnacional) é a unificação dos bancos de dados estaduais. Hoje em dia, um meliante é detido em um estado, mas pode requisitar atestado de boa conduta em outro. Um BO de um estado não é informado aos demais. Já existe o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas, mas sem ser alimentado pelos estados.

No caso do sistema prisional, por exemplo, hoje em dia é o principal canal do crime organizado. Tem que definir espaço, chuveiro quente, visita da família, banho de sol. Se for réu primário, tem que ser separado do reincidente. Tem que haver instalações do semiaberto, prisão albergue para o semiaberto, triagem de presos. Hoje, o réu primário é preso e imediatamente cooptado pelas facções. Ao recuperar um réu primário, o Estado está reduzindo a mão de obra do crime organizado.

Nas orientações federais, o Ministério iria propor cursos de direitos humanos, mas tirou devido à reação previsível da bancada da bala. Mas haverá uma Certidão Nacional de Antecedentes Criminais, um BO (Boletim de Ocorrências) nacional, um mandado de prisão padronizado, uma certidão de óbito nacional.

O projeto do SUSP está parado há 3 meses. Na cabeça dos governadores, criou-se o fantasma da intervenção federal. Mas a Polícia Federal é nacional. E, hoje em dia, já tem competência para investigar tudo o que envolve recursos federais. Se fosse para demonizar a política, já teria feito.

Trata-se exclusivamente, a exemplo do SUS, de discutir as atribuições de cada parte, União, estados e municípios.

Outro obstáculo é a dificuldade das esquerdas em geral de discutir segurança pública.

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Last Update: 01/08/2024