Aos 80 anos, James Carville é uma lenda dentre os estrategistas do Partido Democrata. Ganhou notoriedade ao conduzir a vitoriosa campanha de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos, cunhando uma frase que se tornou emblemática: “É a economia, estúpido!”.

Seu último artigo, no The New York Times – “Eu estava errado sobre a eleição de 2024” – é uma amostra interessante dos dilemas que cercam o Partido Democrata e, por paralelismo, o Partido dos Trabalhadores no país.

Seu erro foi ter admitido que Kamala Harris venceria as eleições. Sua análise volta-se para a mesma proposta da eleição de Clinton: “Continuo voltando para a mesma coisa. Perdemos por uma razão muito simples: foi, é e sempre será a economia, estúpido. Temos que começar 2025 com essa verdade como nossa estrela-guia política e não nos distrair com mais nada”.

Os dilemas do Partido Democrata são idênticos aos do PT. A economia dos Estados Unidos continua a ser a maior do mundo, houve a recuperação do crescimento e a inflação passou a cair no último ano. Mas o povo americano não se contentou que isso era suficiente. E o motivo é que os democratas perderam completamente a narrativa econômica, diz ele, deixando as portas abertas para que Donald Trump conquistasse os eleitores de classe média e baixa renda focados na economia.

O que significa reconquistar a narrativa econômica? “Trata-se de encontrar maneiras de falar com os americanos sobre a economia que sejam persuasivas. Repetitivas. Memoráveis. E totalmente focadas nas questões que afetam a vida cotidiana dos americanos”.

O primeiro passo é não transformar Trump no foco principal, já que ele não poderá ser eleito novamente. Além do quê, muitos americanos não dão a mínima para as acusações contra Trump, seus impulsos antidemocráticos ou sobre aspectos morais, se não conseguem sustentar a si mesmos ou às suas famílias.

A esperteza de Trump foi ter colocado a raiva popular na frente e no centro, diz ele. “Denunciar outros americanos ou seu líder como canalhas não vai ganhar eleições; focar em sua dor econômica, vai, assim como contestar a agenda econômica republicana”.

Aqui se entra no busílis da questão. A agenda republicana, assim como a de Paulo Guedes-Bolsonaro, é essencialmente anti-povo, anti-benefícios sociais, pró-mercado. Mas quem está no poder, nos EUA, é o Partido Republicano; no Brasil é o equivalente ao Partido Democrata. Por isso, o discurso de denúncia de políticas públicas é mais fácil por quem é oposição.

Carville propõe a denúncia contra os cortes de impostos dos mais ricos, já anunciados por Trump. Prevê o aumento de preços internos, com a política tarifária anunciada e a provável tentativa de corte do Affordable Care Act – uma lei abrangente de reforma da saúde, promulgada em 2010, com a intenção de oferecer seguro mais acessível para a baixa renda. O padrão cruel já se manifestou no ato do presidente da Câmara, Mike Johnson, acabando com o financiamento da assistência médica para os trabalhadores de emergência e sobreviventes do 11 de setembro.

A estratégia proposta, então, é o Partido Democrata radicalizar o discurso de defesa de uma agenda populista, uma agenda econômica extremamente popular e populista, que os republicanos não possam apoiar. 

Dá três exemplos dessa agenda:

  • Aumento no salário mínimo para US$ 15 por hora. 
  • Fazer de Roe v. Wade (direito ao aborto) uma questão de mensagem econômica e forçá-los a bloquear nossas tentativas de codificá-la em lei. 
  • Retomar a questão da imigração tornando-a uma questão econômica e forçar o GOP a negar uma reforma bipartidária que acelere a entrada de talentos de alto desempenho.

Essa agenda econômica precisa chegar ao povo, valendo-se dos novos paradigmas de mídia. 

“Os podcasts são os novos jornais e revistas impressos. As plataformas sociais são uma consciência social. E os influenciadores são administradores digitais dessa consciência. Nossa mensagem econômica deve ser nítida, clara e concisa — e devemos levá-la diretamente ao povo”.

Sua mensagem é que o caminho para a recuperação política é valer-se daquilo que o mercado taxa depreciativamente como “populismo”: são medidas de benefício direto à população mais pobre.

Por aí pode-se entender o terrorismo do mercado – e da mídia – como a tal “gastança”.

Como a última edição da revista Veja, taxando o atual déficit primário de menos de meio porcento em “uma das mais agudas crises fiscais do século 20”.

Ou a manchete da Gazeta do Povo, anunciando a alta do dólar no primeiro dia da gestão Galípolo, quando, na verdade, o dólar cedeu.

Essa é a armadilha política que lançaram no caminho do governo Lula: terrorismo em cima de qualquer gasto social, para impedir o PT de retomar as bandeiras populistas que o consagraram em outros momentos.

O desafio será montar uma estratégia que desmonte a armadilha e permita colocar em prática políticas sociais bem concebidas, com metade do mandato queimada por falta de estratégia.

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Last Update: 06/01/2025