Os autoritarismos de Milei vestidos de leões com motosserra, em meio às acusações de megafraude
por Maíra Vasconcelos
“Viva a liberdade, caralho”. Assim, Javier Milei encerra os seus discursos. Nas redes sociais, o lema “libertário” vai acompanhado com a correspondente sigla, em espanhol, “VLLC”. Parte de seus seguidores se justifica por essas atitudes, digamos, excêntricas e autênticas. Parte de seu carisma está contido nesses gestos, os de um presidente showman que com uma motosserra nas mãos fala “caralho”. Essa política também é construída a partir de imagens de leões de terno e gravata com a bandeira nacional, sempre super-poderosos, feitos com inteligência artificial. São usados como símbolo presidencial para graficar o próprio mandatário e enaltecer ações do governo. Mas também funcionam, por exemplo, para banalizar a política do ódio. Leões que ajudam a manter seu carisma como líder, seja este carisma qual for, mas é inegável que Milei o tem.
Assim, motosserras, leões e uma linguagem popular, suavizam seus discursos de ódio e violência. Essas formas comunicacionais, que, não se pode negar, o presidente tem sabido utilizar. Há algo que a imagem do leão com a motosserra esconde, ou, melhor, faz com que seja visto de outra maneira. As diversas imagens geradas a partir de inteligência artificial, por exemplo, onde em um cenário fictício um leão gigante adentra ao Congresso nacional e dedetiza os ratos que ali estão. Essas metáforas ajudam a minimizar e justificar as políticas autoritárias do governo.
No último dia 26 de fevereiro, Milei designou, via decreto presidencial, dois juízes para a Corte Suprema, Ariel Lijo e Manuel García-Mansilla*. O último, de perfil ultraconservador, é anti-abortista, ligado ao Opus Dei e advogado de companhias petrolíferas. García-Mansilla foi um dos expositores contra a lei do aborto, no Congresso, em 2020. O jurista é contra a lei também em caso de estupro.
A nomeação de dois juízes por decreto, sem passar pelo Senado, significa um avanço do Executivo sobre a Justiça, algo facilmente contestável do ponto de vista democrático. O único antecedente na história recente da Argentina, foi quando o ex-presidente Mauricio Macri assumiu e por decreto nomeou dois juízes, em dezembro de 2015. Mas a onda de críticas foi tão forte, que ambos juristas não chegaram a assumir.
Em outro recente avanço autoritário, os presidentes da Câmara dos Deputados, Martín Menem, e do Senado, Victoria Villarruel, anunciaram mudanças no acesso da imprensa para o início das sessões legislativas, no último 1 de março. Os jornalistas credenciados no Congresso foram impedidos de ter acesso aos camarotes historicamente destinados aos jornalistas, e foram realojados a outros camarotes. Ação sem precedentes durante os governos democráticos na Argentina.
Ainda sobre fatos recentes, o presidente se viu envolto em um escândalo de mega estafa no mercado das criptomoedas, o “Libragate”, como ficou conhecido. A moeda $LIBRA foi promovida pelo presidente na rede social X, teve por isso uma supervalorização e logo despencou. A perda estimada aos investidores foi de 250 milhões de dólares.
Existem duas teorias sobre a fraude. A primeira, o presidente estava ciente de que cometia um crime e, a outra, é que ele teria agido obedecendo a “assessores que entram no gabinete presidencial e ordenam que Milei escreva tweets. E o presidente obedece cegamente”, conforme comentou o jornalista Sebastián Lacunza, em uma entrevista para um meio local. Mas, em qualquer dos casos, Milei não está isento de responsabilidade criminal, independentemente de ter tido ou não a intenção de obter ganhos financeiros pessoais.
A cultura das criptomoedas é algo com o qual o mundo libertário se sente afim, já que são “moedas” que circulam sem a participação do Estado. E a ode à eliminação do Estado é parte do mantra repetido por Milei, desde as épocas de campanha eleitoral. O presidente pode não sair completamente ileso do caso, mas, sim, sem maiores problemas de queda de popularidade, por exemplo. Nisso, a diminuição da inflação e o dólar barato poderiam importar mais para aquele setor da sociedade que seguirá legitimando o atual governo.

Os leões e a motosserra
Milei disse, em fevereiro de 2024, “o congresso é um ninho de ratos”. Talvez daí tenha surgido a imagem do leão dedetizando o Congresso, divulgado por Milei em suas redes sociais. Assim como, por exemplo, já teve a versão do leão com um martelo destruindo o Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo (INADI), quando o órgão público responsável por acolher denúncias foi fechado pelo governo.
Assim, também, o maior ajuste fiscal da história do país, visto com a ficção das metáforas de Milei com a motosserra, traz uma “nova realidade” para o mesmo super-arrocho. Mas disso, talvez, se sirva qualquer governo, da criação de narrativas que comuniquem determinada realidade de um modo que convenha às questões partidárias. Os discursos políticos necessitam jogar com a ficção, ao mesmo tempo que os líderes se mostram autênticos e populares.
As ações autoritárias do governo Milei, como também o cripto-escândalo, precisam dessa dose de irreverência, precisam ser suavizadas. Nisso, talvez, reside a importância da foto de Milei com Elon Musk presenteado com uma baita motosserra, durante a Conferência de Ação Conservadora, nos Estados Unidos. De algum lado vem aquilo que Milei tem conquistado, que é a legitimação do seu governo. Pode ser que fracasse, mais na frente, mas, até agora, é inegável sua habilidade para implementar desde as ações mais autoritárias, como para fazer da corrupção um fato menor, isso que debilita qualquer governo.
*Os advogados Ariel Lijo e García-Mansilla foram nomeados “em comissão”. Isso significa que as designações têm vigência até o final do período legislativo, em novembro deste ano. Logo, o governo insistirá com os ritos constitucionais necessários para, digamos, efetivar ambas nomeações. De qualquer forma, é considerado excepcional, com poucos precedentes na história do país.
Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).
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