​​Aqui o segundo capítulo da série

Brasília, a imprensa e o jogo do poder

Por Luís Nassif

Sábado, 15-12-79

Ao menos geograficamente, o poder em Brasília é facilmente identificável. De disposição lógica e geométrica, ele se estende ao longo da Esplanada dos Ministérios.

À frente, os ministérios, dispostos em duas longas filas simétricas, que guarnecem a avenida central. No final desse corredor, o Congresso. À sua direita, projetando-se um pouco à frente, a Justiça; à esquerda, o Itamaraty. Atrás de tudo, na continuação do corredor de prédios, dispostos à direita do Congresso, o Planalto. E, imediatamente atrás do Planalto, o anexo, um poder pouco visível, que se abriga num conjunto de três blocos retangulares, construídos abaixo do nível da rua, ocultos por um corte brusco de terreno, sustentado por um muro vertical de concreto, de 6 metros de altura.

Nesses conjuntos despojados envidraçados com rayban, estão instalados a administração do Planalto, parte da Secom, e o sistema do Conselho de Segurança Nacional, com suas salas mobiliadas com mesas e cadeiras alemãs, troféus de guerra, conquistados da Embaixada alemã durante a II Guerra.

Distribuídos pelo setor bancário, em torno da Esplanada dos Ministérios, estão os prédios do Banco Central, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. É este, enfim, o objeto, onde a imprensa pratica o seu jogo diário.

Mas não apenas isso.

Cargos de confiança

Coloquem-se pessoas nesse ambiente asséptico; um tipo especial de pessoas: o funcionário público, o burocrata. E retire-se dele a viga mestra de seu equilíbrio psicológico: a estabilidade.

Cada ministro que chega a Brasília tem à sua disposição uma infinidade de cargos de confiança, que se multiplicam geometricamente pelos escalões inferiores, e que vão ser ocupados por seu séquito.

A cada cinco anos, às vezes antes disso, porém, há uma troca de guarda. Essa insegurança, que se acentua nos finais de mandato, transforma a imensa repartição pública numa arena, onde grupos se engalfinham disputando cada metro de poder.

Nesse universo, os chamados cinco grandes diários Jornal do Brasil e Globo, do Rio, e Folha de São Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde têm uma importância especial, em termos de formação de opinião pública. As notícias por eles transmitidas, com o enfoque dado por seus repórteres, atingem diretamente os dois grandes centros de opinião pública do País: Rio e São Paulo. De lá, elas vão se reproduzir por todo o País, um pouco por meio da venda direta, mais por meio agências de notícias.

Esses jornais, mais as duas revistas semanais Veja e Isto É, também possuem um peso específico importante na formação da opinião através de sua releitura, pelos editores e jornalistas dos demais centros regionais.

A cobertura

O objeto, portanto, é este: um conjunto de repartição política dessas ações que produzem ininterruptamente matéria jornalística, e que exige um meticuloso sistema de cobertura, estendido por todos os lados do aparelho onde possam pingar notícias.

Com uma ou outra variação, cada um dos quatro grandes diários utiliza cerca de 40 jornalistas, entre a direção, coordenação e reportagem.

Os repórteres são subdivididos por áreas de cobertura. São os chamados setoristas, que necessitam dar um plantão diário, recolhendo as menores notícias do setor.

Para efeito de cobertura, o governo é dividido em três áreas nobres. Primeiro, e acima de tudo, o Planalto, para onde são destacados dois setoristas experientes; depois, o comando econômico, a Secretaria do Planejamento, com mais dois setoristas; finalmente o Congresso onde os jornais mantêm uma média de 7 repórteres, mais um coordenador lotado no próprio local.

Os demais setoristas distribuem-se pelos ministérios econômicos Agricultura, Indústria e Comércio, Minas e Energia, Transportes, Comunicação e Fazenda; mais o Banco Central, do Brasil e Caixa Econômica Federal, ministérios militares, Itamaraty, Justiça e ministérios sociais: Saúde, Previdência e Educação.

O conjunto funciona como uma autêntica linha de produção, que chega a remeter para as redações às vezes mais de cem notícias diárias de diversos calibres.

O novo jornalismo

Inclua-se, finalmente, nesse quadro geral, as características do que se poderia denominar genericamente de o novo jornalismo brasileiro uma livre designação para diferenciar do jornalismo tradicional um estilo jornalístico que começou a se implantar a partir da década passada e hoje é hegemônico em diversas publicações do País.

Até por volta de 1964, as publicações eram razoavelmente matizadas politicamente, cada qual com seu definidos e tão sedimentados em sua própria cultura, que permitem à indústria de comunicação de massas veicular, assimilar e absorver inclusive movimentos pretensamente contestadores da ordem constituída.

A adaptação desse estilo ao Brasil, contudo, esbarrou em algumas diferenças fundamentais. A começar da falta de uma ideologia majoritária na opinião pública. Além disso, o processo de concentração do poder econômico e político nas mãos do Estado, acabou criando, para as linhas editoriais de várias publicações, um segundo ponto de referência é a opinião dos homens do governo.

Assim cria-se uma espécie de movimento pendular. Num determinado momento, assume-se uma postura crítica e defendem-se posições liberais para conquistar o leitor antes de ter uma posição política, o leitor costuma apreciar publicações independentes, ou pretensamente independentes. Num segundo momento, pratica-se o mais puro jornalismo oficial.

Por volta de 1968, já existiam publicações que praticavam com certa desenvoltura esse movimento pendular. O AI-5 viria interromper o processo. E, nos árduos tempos de fechamento que se seguiram, o pêndulo, em grande parte das publicações, inclinou-se decisivamente para o lado governamental.

A herança da censura, abatendo-se sobre o processo de formação dessa nova escola e sendo escola, a designação não se refere diretamente a publicações, mas a estilos de se fazer jornalismo acabaria provocando-lhe deformações fundamentais.

A figura do jornalista tradicional começa a se contrapor a figura do tecnocrata da notícia. Tratam-se de jornalistas dotados do que se denomina um certo feeling para captar as nuanças do tal movimento pendular.

As notícias têm de ser direcionadas de acordo com os movimentos do pêndulo. Enquanto o jornalismo tradicional tenta pautar-se pelos princípios liberais da objetividade e neutralidade da informação separando-a da matéria opinativa o novo jornalismo passa a utilizar a informação trabalhada.

A isenção é aparentemente mantida através da pasteurização da linguagem, que assume uma pretensa objetividade.

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Last Update: 07/03/2025