Um documentário intitulado “Foguete” retrata o drama de Halisson Silva da Costa, de 37 anos, um capoeirista e sapateiro que foi condenado a 13 anos e 11 meses de prisão por um homicídio que ele nega ter cometido. O filme, vencedor do prêmio Cardume, explora a relação de Halisson com a capoeira, mas também aborda a opressão que ainda sofre pela caneta do judiciário brasileiro.
A condenação, proferida por um Tribunal do Júri no Rio Grande do Norte em abril deste ano, baseou-se no depoimento de testemunhas que não presenciaram o crime, demonstrando os padrões absurdos do sistema repressivo ferozmente antipopular que ameaça o povo brasileiro, especialmente a população negra. Na obra, Costa (cujo nome de batismo na capoeira é “Foguete”) fala do drama de ter sido acusado de um homicídio que sempre negou ter cometido.
Para a Defensoria Pública do Rio Grande do Norte, que atuou em sua defesa, o homem sequer deveria ter sido levado a júri popular, pois a acusação se apoiava em boatos sem respaldo em provas concretas. O caso ocorreu em 5 de março de 2015, em Macaíba, cidade a cerca de 30 quilômetros de Natal.
A acusação formulada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MP-RN) alega que um homem de 60 anos foi morto a pedradas perto do Mercado Público. Halisson, no entanto, sempre negou envolvimento com o crime. Ele afirma ter encontrado a vítima agonizando e ter acionado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
A gravação da ligação, que poderia reforçar sua versão, nunca foi analisada. Embora solicitada pela defesa, a Justiça estadual enviou ofício ao SAMU com a data errada, pedindo registros de 2016, um ano após o crime. O resultado foi a perda de um possível indício de inocência.
O homem também faz parte do Movimento Nacional da População de Rua, articulação que conheceu após ele mesmo ter vivido nessa situação. Foi na capoeira que encontrou apoio para se reerguer. “Eu não entendo como uma pessoa que ajuda outras, tinha visibilidade, está passando por isso”, lamentou Ingrid Darley, 30, mãe de sua filha mais nova.
A denúncia do MP-RN sustenta que Halisson cometeu o assassinato por motivo fútil: ele teria trabalhado para a vítima durante seis meses sem receber. Essa motivação, e a suposta confissão do crime, teriam sido relatadas por uma testemunha, João (nome fictício), com quem o capoeirista teria conversado logo após o crime. Halisson, porém, afirmou nunca ter conhecido essa pessoa.
Entre as testemunhas ouvidas, nenhuma presenciou o crime. Uma relatou ter ouvido sobre o caso de terceiros, que nem sequer foram ouvidos em juízo. Outra afirmou ter estado com Halisson e a vítima naquela noite, mas se separou antes do ocorrido. O juiz escreveu:
“Os elementos devem apontar, de maneira satisfatória, a autoria do delito. No presente caso verifica-se a insuficiência de elementos aptos a autorizar a pronúncia”.
Apesar da decisão de primeira instância, o MP-RN recorreu. Em dezembro de 2021, a Câmara Criminal do TJ-RN decidiu pela pronúncia de Halisson. O acórdão afirma que o homem teria agido com comparsas para roubar celular e dinheiro da vítima, tipificação que configura crime de latrocínio. Mesmo assim, não houve reformulação da denúncia e o capoeirista foi levado a júri popular por homicídio.
O relator, desembargador Glauber Rêgo, usou como base o relato de uma testemunha que ouviu dizer que Halisson confessou o crime a João. A condenação em abril foi por homicídio qualificado, com a agravante de dificultar a defesa da vítima.
A condenação de Halisson, baseada em boatos e com provas ignoradas, demonstra que a justiça brasileira, longe de servir ao povo, é uma ameaça constante, especialmente para a população negra. Trata-se de um sistema organizado para oprimir os pobres e os trabalhadores.
É fundamental a reformulação completa do sistema judiciário brasileiro. Seus membros devem ser eleitos a intervalos regulares, para que respondam diretamente ao povo e não aos interesses da burguesia.