Lugar Periférico, Ideias Modernas, de Fabio Mascaro Querido, traz um subtítulo, no mínimo, intrigante: Aos Intelectuais Paulistas as Batatas. Primeiro, por que aos paulistas, especificamente? Segundo, por que as batatas?

Para os iniciados no pensamento marxista paulista, nada disso será novidade, mas, para o público em geral, vale destrinchar o subtítulo. A escolha da localidade não se deve a mero bairrismo por parte do professor do departamento de Sociologia da Unicamp.

Ela está ligada aos intelectuais que formaram o que ficou conhecido como Grupo do Capital, ou Seminário Marx, composto de docentes e estudantes da Universidade de São Paulo (USP), no fim dos anos de 1950, para ler O Capital.

Entre eles, estavam nomes como Fernando Henrique Cardoso, José ­Arthur Giannotti, Fernando Novais, Paul Singer e Roberto Schwarz. Esse último é a figura mais emblemática do livro de Querido. Vem de Schwarz, inclusive, a ideia de “aos vencedores as batatas”, apropriada de Machado de Assis.

O professor da Unicamp, que é colaborador de CartaCapital, parte de sua tese de livre-docência, defendida em 2022, para fazer uma genealogia do pensamento do grupo, do qual Schwarz é “o fio vermelho que atravessa as demais perspectivas acalentadas pelos intelectuais paulistas”.

Não que a trajetória e a obra do pensador sejam as únicas exploradas no livro. Elas são, porém, centrais na condução do argumento do autor.

Embora o livro dê conta de nomes como os de Fernando Henrique Cardoso, Francisco Oliveira, Marilena Chauí, e de instituições como o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), boa parte dessas referências aparece, na análise do professor, ligada ao pensamento e às ações de Schwarz.

Lugar Periférico, Ideias Modernas. Fabio Mascaro Querido. Boitempo (288 págs., 65 reais) – Compre na Amazon

Nascido na Áustria, em 1938, Schwarz veio para o Brasil com apenas 1 ano de idade, quando seus pais deixaram Viena para fugir da ocupação nazista.

Professor aposentado de Teoria Literária da Unicamp, ele construiu uma trajetória na qual, por meio da literatura, em primeiro lugar, mas também por meio do cinema e da música, fez brilhantes análises de conjuntura sobre o País.

Desde o ensaio As Ideias Fora do Lugar, publicado em 1973 na revista Estudos, do Cebrap, e, posteriormente, no livro Ao Vencedor as Batatas (1977), Schwarz, obra após, investigou e revelou a sociedade brasileira. Querido analisa a trajetória histórica do escritor austro-brasileiro de forma a um só tempo acessível e profunda.

A relação entre formação nacional e forma artística, central na obra de Schwarz, é apontada por Querido como “uma ótica que se diferencia da sociologia uspiana da modernização” e também de sua primeira referência na crítica literária, Antonio Candido.

Um dos textos mais famosos e representativos de Schwarz, e que ilustra bem sua maneira de pensar e investigar, é Cultura e Política, 1964–1969, publicado numa revista francesa, em 1970, e depois incorporado à coletânea O Pai de Família, lançado em 1978 e reeditado em 2008 pela Companhia das Letras.

No ensaio, o escritor faz uma análise precisa de como a cultura brasileira, na ditadura, não foi, nas palavras dele, liquidada depois do golpe de 1964. “Nos santuários da cultura burguesa”, escreve ele, “a esquerda dá o tom.”

Sua ideia é, basicamente, a de que, embora a esquerda tenha sofrido uma derrota política, a cultura pertence a ela. Schwarz apoia-se em exemplos vindos do cinema (Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos) e do teatro (Opinião, Tea­tro Oficina) para provar que a cultura relevante produzida naquele momento vinha da esquerda.

Querido, ao mergulhar na jornada de Schwarz, só corrobora a importância desse autor para a cultura e a intelectua­lidade brasileiras. Revisitar seus escritos é lembrar que, como ele mesmo disse, em um aforismo presente na introdução de Cultura e Política, “o leitor verá que o tempo passou, e não passou”. •


 Três obras para conhecer as ideias de Roberto Schwarz

Ao Vencedor as Batatas. Editora 34 (240 págs., 68 reais) – Compre na Amazon

Nele, o autor investiga a formação brasileira a partir do romance enquanto forma literária importada da Europa. Após isso, escreve um de seus textos mais famosos, As Ideias Fora do Lugar, sobre como um gênero originário das sociedades burguesas liberais manifesta-se no Brasil, um país escravagista.

Sequências Brasileiras. Companhia das Letras (256 págs., 79,90 reais) – Compre na Amazon

Publicada no fim do século XX, a coletânea de ensaios investiga como os anos de 1990 refletiram na cultura, sociedade e política brasileiras. Nesse livro está, entre outros, o ensaio do próprio Schwarz sobre o Seminário Marx, além de textos sobre o romance Cidade de Deus, Chico Buarque e Brecht.

Martinha versus Lucrécia. Companhia das Letras (320 págs., 79,90 reais) – Compre na Amazon

Em seu livro mais recente de ensaios, o autor se debruça, entre outros temas, na Literatura Mundial, uma febre que tomou os cursos de letras pelo mundo, e escreve sobre ela a partir da periferia do capitalismo, e, também, traz um texto inédito sobre a autobiografia de Caetano Veloso, Verdade Tropical.

Publicado na edição n° 1349 de CartaCapital, em 19 de fevereiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘“O tempo passou, e não passou”’

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Last Update: 13/02/2025