Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia enviou tropas à Ucrânia em resposta às provocações da Otan, que buscava instalar uma base militar na fronteira entre os dois países, e à perseguição imposta pelo governo ucraniano a etnias russas em seu território. Três anos depois, é evidente que não se trata de um conflito regional, como o ocorrido entre Rússia e Geórgia em 2008.
Talvez a mais conhecida afirmação do filósofo alemão Hegel seja a de que a coruja de Minerva levanta voo ao cair da noite. A fraca claridade do crepúsculo marca a transição entre eras históricas. A compreensão de seu real significado só é possível com o distanciamento. Por isso, a coruja da sabedoria não alça voo no meio da escuridão, mas no seu fim.
É possível que a ofensiva russa na Ucrânia marque o início de um novo período. Desde o colapso da União Soviética, em 1991, os EUA e seus aliados detinham o monopólio da guerra. Pela primeira vez, um conflito armado de impacto global iniciou-se não apenas à revelia de Washington, mas contra seus interesses. Essa mesma lógica pode ser aplicada à recente troca de mísseis entre Irã e Israel, intensificada pelo massacre israelense em Gaza.
Em 2012, durante a campanha presidencial nos EUA, Benjamin Netanyahu ameaçou atacar o Irã. O objetivo parecia ser pressionar Barack Obama a fornecer armamentos de última geração a Israel. George W. Bush havia recusado a venda de bombas de penetração profunda — as mesmas que, neste ano, permitiram a destruição da usina nuclear de Fordow, construída sob uma montanha. Obama, laureado com o Nobel da Paz, cedeu à pressão e autorizou a venda das bombas e de aviões de reabastecimento.
Desde então, Netanyahu trabalha para moldar a opinião pública a favor de uma guerra contra o Irã. O primeiro-ministro continua afirmando que a ameaça é concreta e, se não for neutralizada, resultará em um “segundo Holocausto”. Persiste também o recurso retórico, e infantil, de acusar de antissemitismo quem critica a beligerância do sionismo.
Na época, como agora, houve críticas. O escritor alemão Günter Grass acusou Israel de ameaçar a paz mundial ao cogitar um ataque ao Irã, cujas consequências seriam desastrosas para a própria população israelense. Assessores de Segurança Nacional dos EUA advertiram que uma ofensiva inflaria o ódio de árabes e persas, comprometendo os interesses americanos no Afeganistão e na Síria.
Ao analisar o contexto, o historiador Moniz Bandeira escreveu que a teimosia de Netanyahu levaria Israel a um “auto-Holocausto”: “Os cenários que se delineavam, com ou sem apoio dos EUA, seriam catastróficos. Bastava comparar os dados geográficos, demográficos e o poderio militar convencional para antever o desastre — o fim do Estado de Israel provocado por seu próprio primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu.”
Autoridades israelenses admitiam que uma ofensiva retardaria o programa nuclear iraniano por, no máximo, alguns meses. O general Meir Dagan classificou a ideia de atacar o Irã como estúpida: provocaria uma guerra regional insustentável e daria ao Irã um argumento definitivo para manter seu programa nuclear. Como agora, Netanyahu trabalhava para isolar Israel no Oriente Médio.
No último 21 de junho, Donald Trump anunciou um ataque “muito bem-sucedido” contra instalações nucleares iranianas, incluindo Fordow, Natanz e Isfahan. O Irã retaliou com uma nova leva de mísseis sobre Tel Aviv e Haifa, após ter rompido o sofisticado sistema de defesa antiaérea israelense.
A hesitação dos EUA em se envolver diretamente no conflito, dias antes, reforça a percepção de que o mundo unipolar das últimas três décadas entrou em declínio. O apoio intempestivo a Israel — uma cunha americana em uma região hostil — parece mais uma boia de salvação contra o avanço da China, ou a muleta de um império que já não esconde sua decadência.
As ações recentes mostram que Netanyahu e Trump não hesitam em pôr em risco a existência do próprio povo israelense. Se houver um “segundo Holocausto”, como o próprio Netanyahu anuncia, ele será o principal responsável.