O Estado de Polícia de Tarcísio? Uma incógnita, por Eduardo Appio

O modelo econômico que está sendo colocado em prática nos Estados Unidos de Trump serve como base de diversas plataformas do espaço político ocupado pela extrema direita no Brasil.

O projeto que está sendo executado por Trump 2.0 coincide com a mesma concepção difundida em nosso país por figuras políticas como Paulo Guedes, Witzel e Jair Bolsonaro.

Este modelo, dito pós liberal, inclui uma forte contração do espaço que os serviços públicos ocupa na vida de cada um dos cidadãos. Demissões em massa de servidores públicos e fechamento de diversos ministérios são alguns dos exemplos mais recentes desta nova política baseada em forte populismo. A mensagem que coloca um alvo nas costas dos servidores públicos atravessa as redes sociais para chegar nas pessoas com menor capacidade de inserção no atual mercado de trabalho. São os deserdados de um século 21 marcado por forte automação e uso das ferramentas de tecnologia.

O único espaço de ampliação deste modelo de Estado midiático populista acaba sendo ocupado pelo chamado Estado de Polícia. Forte investimento em segurança pública a partir de uma ideologia calcada no medo da população. O investimento em saúde e educação é reduzido. Na outra mão, crescem os investimentos da repressão policial, apesar de um sistema carcerário em franca decomposição.

Este tipo de modelo baseado na ideologia da Lei e da Ordem elegeu diversos presidentes nos Estados Unidos e, em última análise, também capturou o interesse dos eleitores brasileiros que viram em Bolsonaro, Witzel e Tarcísio, uma alternativa frente ao caos urbano difundido pelos meios de comunicação social.

O conhecido livro A Lei e a Ordem de Dahrendorf desnuda completamente este viés autoritário e utilitarista, o qual já serviu de combustível na segunda grande guerra Mundial. Serviu para eleger pessoas sem conhecimento da importância estratégica do Estado contemporâneo.

Esta guerra seguramente não será vencida com mais repressão policial, ainda que o cidadão comum aplauda penitenciárias lotadas e dominadas pelo crime organizado. As politicas publicas na área de segurança no estado de São Paulo têm despertado grande interesse nos pesquisadores da área de direitos humanos. Os resultados da violência policial são frustrantes e redundam em críticas ao modelo adotado pelo governador Tarcísio, especialmente quando se considera o texto de nossa Constituição.

Em data recente o nosso STF descriminalizou o uso de pequenas quantidades de maconha e, também, tem permitido a liberdade provisória de pequenos traficantes.

São políticas públicas adequadas a um sistema penitenciário em colapso há mais de 30 anos, dentro do qual se beneficiam o PCC e o Comando Vermelho que recebe, todos os dias, mão de obra jovem e barata.

O modelo de Estado mínimo remete a Noczick que em seu livro manifesto Anarquia, Estado e Utopia, defende um chamado Estado mínimo. Um dos estudos favoritos desta nova direita iluminada por Trump é O Caminho da Servidão de Hayek em 1944.

Buscam requentar, quase cem anos depois, uma guerra fria que pertence ao passado. São inegáveis os crimes contra a humanidade cometidos por Stalin na extinta União Soviética, bem como o genocídio perpetrado por Hitler. A democracia é a única alternativa e Churchill bem compreendeu sua importância histórica para as gerações futuras.

A China de 2025 não é o mesmo país de 1995.

Hoje a democracia está novamente sendo atacada por todos os lados e o Supremo Tribunal no Brasil está no centro deste debate mundial e na defesa intransigente de nossa Constituição.

A experiência recente comprova que este modelo de drástico enxugamento da máquina pública pode ter consequências irreversíveis. Basta ver o recente caso da quebra do Lehmann Brothers em 2008 e a pandemia Covid em 2019. Em ambos os casos foi o Estado, através de seus recursos e servidores públicos, quem manteve a máquina capitalista funcionando. Não existe a possibilidade de um salto no escuro no século 21. O mundo contemporâneo está marcado pela completa imprevisibilidade. Enchentes como as do Rio Grande do Sul e agora no Texas serão cada vez mais comuns e imprevisíveis. Cass Sunstein já alertava sobre isto há mais de 15 anos em seu célebre livro Worst Case Scenarios. A resposta para estes novos desafios não virá por um aumento crescente das despesas com segurança pública e privada no Brasil, à custa da redução do investimento nas áreas sociais.

Em data recente, a Suprema Corte dos Estados Unidos autorizou o prosseguimento das demissões em massa de servidores públicos do Departamento de Estado dos Estados Unidos com base em precedentes da Corte.

O modelo está sendo implementado e serve de inspiração para a extrema direita brasileira que desconsidera os dados alarmantes de crescente desigualdade social no Brasil.

Muitos preferem as palavras simplistas do já falecido Olavo de Carvalho do que exemplos de sucesso, como a política de saúde no governo Obama ou a ampliação de programas sociais no Brasil de Lula.

Olavo de Carvalho, bom que se frise, passou boa parte de sua vida morando nos Estados Unidos, mas voltou ao Brasil quando já, infelizmente, enfermo e foi atendido por dignos servidores públicos federais no brasileirissimo SUS. Os custos na área da saúde nos Estados Unidos são realmente importantes.

Entre o discurso e a prática um grande oceano.

A ciência política e também o Direito Constitucional devem servir como balizas para o futuro de nosso país. Desde 1988 temos uma Constituição Federal com forte viés Social Democrata, especialmente quando menciona a função social da propriedade e a busca da erradicação da pobreza.

A quem interessa manter os pobres cada vez mais pobres em um mundo em transformação tecnológica e comercial, mesmo que a revelia da nossa Constituição?

A redução abrupta da capacidade operacional de reação do Estado, através de seus servidores públicos, frente a desastres naturais e ao avanço do fracasso na area da educação produzira consequências permanentes em solo brasileiro.

A melhoria dos índices de segurança pública, inclusive dos sistemas judicial criminal e penitenciário, passa por uma profunda e sincera reflexão sobre qual o Brasil que queremos para as futuras gerações.

Um país paramilitar e dominado pelo sectarismo político e baseado no medo da população ou um Brasil fadado a ampliar a qualidade de vida dos mais pobres. Se a ultima alternativa prevalecer, então não existe outro caminho senão pelo investimento e melhoria dos serviços públicos com a consequente renúncia ao discurso populista.

Projetos para o futuro devem tomar em consideração aquilo que se chama pacto intergeracional, ou seja, um compromisso ético e moral com as gerações futuras, seja na área ambiental ou mesmo na educação publica, gratuita e de qualidade.

Se a elite já desistiu do Brasil, então resta a nós, modestos professores universitários, defender as bases de reconstrução do país.

Eduardo Fernando Appio é um escritor e juiz federal brasileiro, ex-titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, havia sido designado para atuar nos processos da Operação Lava Jato. Atualmente, Appio está como Juiz da 18ª Vara Previdenciária da Justiça Federal do Paraná

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Last Update: 12/07/2025