O Rio de Janeiro é um boom de oportunidades.” Com ares de slogan, este é o mantra repetido por Alexandre Accioly a cada projeto apresentado na cidade. Aos 62 anos, o empresário carioca notabilizou-se por realizar nas últimas duas décadas investimentos em setores diversos da economia em sua cidade natal. Figurinha fácil nas colunas – e nas redes – sociais, amigo e sócio de políticos como o deputado federal Aécio Neves, do PSDB, e de celebridades como o ex-jogador Ronaldo Nazário, Accioly tem seu nome associado a marcas de sucesso como Bodytech (rede de academias), Gero (restaurante) e ­Qualistage (casa de shows), mas seus últimos lançamentos vêm desagradando a boa parte dos cariocas, que neles enxergam muita vontade de lucrar e quase nenhum compromisso com o bem-estar da população.

A polêmica da vez diz respeito ao projeto de revitalização do Jardim de Alah, parque público localizado na área nobre da cidade, a ser executado pelo consórcio de empresas Rio+Verde, comandado por Accioly. Com 93,6 mil metros quadrados e tombado como Patrimônio Histórico Municipal, o parque divide os bairros de Ipanema e Leblon e é atravessado por um canal que liga a Lagoa Rodrigo de Freitas ao mar. Um dos símbolos do Rio, o local vive há décadas o abandono por parte da prefeitura carioca, mas o projeto vencedor ainda não havia sido iniciado após contestação do Ministério Público, que aponta irregularidades como, por exemplo, a supressão de 130 árvores. Desde 16 de junho, no entanto, as obras foram retomadas por decisão do desembargador Sérgio Varella, da Quarta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A “revitalização” do Jardim de Alah enfrenta resistência de ambientalistas e moradores ilustres

O reinício das obras foi comemorado pelo consórcio, que promete um projeto “sustentável e responsável, em respeito às diretrizes ambientais e urbanísticas”, com investimentos de 130 milhões de reais por uma concessão de 35 anos. Também estão previstos 18 milhões de reais pela outorga para a exploração comercial de serviços como restaurantes, bares e mercados, com expectativa de lucro que supera em muitas vezes o valor investido. “É uma transformação urbanística que objetiva reativar a energia vibrante da nossa cidade, sem abrir mão da preservação de sua rica herança cultural e de sua memória afetiva”, relata o grupo empresarial.

Da mesma forma, estão previstas contrapartidas sociais como, por exemplo, a construção de uma creche para os moradores da Cruzada São Sebastião, comunidade pobre vizinha ao Jardim de Alah. “Temos a convicção de que será possível equacionar uma área abandonada há 40 anos, mas principalmente derrubar os muros e construir as pontes de integração entre a Cruzada e o tecido sociourbano do qual ela legitimamente faz parte. Este é mais que um sonho. É um testamento de dedicação, resiliência e, acima de tudo, de amor pela Cidade Maravilhosa.”

Onipresente. A rede de academias Bodytech, um dos muitos negócios do empresário – Imagem: Leonardo Rodrigues/Valor/Folhapress

O palavrório soa bonito, mas nem todo mundo se deixa encantar. Deputado estadual e ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, do PSB, afirma que “todos estão de acordo” sobre a necessidade da revitalização, mas pontua que o projeto apresentado “privilegia amplamente” a construção de lojas e restaurantes, além de uma garagem subterrânea. “Tudo que Leblon e Ipanema têm de sobra são bares, restaurantes e carros. Eles podem render muito dinheiro para os concessionários, mas o que a população da área reivindica mesmo é mais espaço para idosos e para cães, mais cultura, esporte, lazer e reflorestamento”, sugere Minc.

Sobre a supressão de vegetação, a prefeitura do Rio informa: “Das 130 árvores indicadas, a maioria é de arbustos ou plantas de pequeno porte. As árvores mais antigas serão preservadas e as demais serão replantadas após a finalização das obras. Além disso, 1.310 novas árvores serão plantadas a título de compensação ambiental, preferencialmente no Jardim de Alah, mas também podendo ocorrer em outros pontos da cidade”. Minc, que já organizou três abraços ao Jardim de Alah para “contestar e denunciar” o projeto, também não cai nessa: “Estão dizendo que as árvores serão replantadas. Mas, entre o teto da garagem subterrânea e as árvores, resta menos de um metro. Então, não serão árvores grandes porque as raízes não terão como se desenvolver”.

Figura de proa na contestação ao modelo adotado pelo projeto do “novo Jardim de Alah”, a atriz Júlia Lemmertz afirma que mesmo o termo utilizado não é correto. “Não é revitalização, é descaracterização e apropriação de um espaço público tombado que vai virar um lugar de comércio fantasiado com roupagem de revitalização”, prevê. O melhor caminho seria outro, diz: “O parque seria realmente revitalizado com mais plantas, com iluminação melhor, com segurança melhor. Deveria ser um corredor de respiro entre os dois bairros, tem o canal que liga a Lagoa à praia. É um lugar sensível, não um lugar qualquer que estava abandonado. Pode virar uma coisa incrível, que vai trazer turismo, mas com qualidade de vida”.

Planos. O empresário quer transformar Copacabana na “Broadway brasileira” e aposta em uma versão carioca do parque temático Space Adventure – Imagem: Redes Sociais

Lemmertz faz outra interessante observação: “O projeto vai dar quadras de esporte para a Cruzada, uma creche. Mas dificilmente as pessoas da Cruzada poderão frequentar os restaurantes, o mercado, o estacionamento ou as lojas que esse novo lugar vai trazer”. A atriz, que mora perto do Jardim de Alah, lembra também do nó no trânsito dos bairros prometido pelo início das obras. “Se fosse pelo menos um transtorno para realmente fazer um parque bacana e comunitário, onde você passeia com o seu cachorro, com a sua criança, onde consegue tomar uma água de coco, jogar uma bola.” Ela também lamenta a decisão pelo início das obras: “Os cariocas precisam disso realmente? Parece que o prefeito Eduardo Paes acha que sim”.

Não é só nos bairros mais endi­nheirados do Rio que os projetos de Alexandre Accioly provocam rejeição. Sempre em parceria com Paes, uma de suas próximas empreitadas faz parte de outro plano de revitalização, o da zona portuária, uma das áreas com menor índice de desenvolvimento humano da cidade. Projeto com dificuldade em fincar os pés na realidade, o “Porto Maravilha” idealizado pela prefeitura, no que depender do faro para negócios do empresário, será a versão carioca do Space ­Adventure, mistura de parque temático com museu sobre a corrida espacial da Nasa, que, no Brasil, tem filiais instaladas em Canela (RS) e Balneário Camboriú (SC).

O parque, na visão de Accioly, se integraria perfeitamente a um projeto maior de construção de um novo polo de atração turística na região, que inclui a instalação de um moderno píer para a atracação de cruzeiros internacionais. “É mais um projeto espetacular do nosso prefeito”, exulta o empresário. Detalhe: o novo píer seria construído na região de interesse histórico e cultural da Pequena África, onde estão situados o Cais do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos, locais de desembarque dos africanos trazidos de navio para serem escravizados.

Eduardo Paes prometeu a volta do Cine Roxy, mas Accioly entregou mais uma casa de shows para gringos

Revitalização de espaços tem sido, nos últimos anos, o investimento preferido de Accioly, mas a desconfiança dos cariocas em geral com o empresário aumentou após a frustrante reabertura do antigo Cine Roxy, em Copacabana. O espaço inaugurado em 1938, que um dia já foi o maior cinema de rua da Zona Sul do Rio e abrigou diversas passagens marcantes da expressão cultural da cidade, estava abandonado até que Paes anunciou sua volta como cinema. “Decidimos preservar o ramo de atividades do espaço. Será um presente para a cidade”, prometeu o prefeito. Mas não foi exatamente isso que Accioly entregou. Em lugar da volta do cultuado espaço cinematográfico veio à luz o Roxy Dinner Show, casa dedicada àqueles manjados “espetáculos” fisga-turistas com samba pasteurizado em ­playback, penachos e mulheres seminuas. Os ingressos mais salgados chegam a 800 reais, com direito a comes e bebes.

Para Accioly, “o que falta é o carioca deixar o preconceito de lado” e parar de achar que a casa é só para turista. “O ­Roxy é um patrimônio do Rio, o conteúdo é melhor do que qualquer casa de show que visitamos fora do Brasil, com uma enorme diversidade musical. Do samba, passando pelo Parintins e o frevo. A casa é a melhor opção no Brasil e uma das melhores do mundo no segmento. Começo a acreditar que, independentemente de ser uma casa de turistas, o carioca está começando a se achegar”, disse, em recente entrevista à revista Manchete.

Sobre o projeto do Jardim de Alah, Accioly pede que aqueles que não o conhecem se informem nos canais oficiais. “Não entrem na balela contada por um grupo que luta por interesses próprios e vem causando desinformação e atrasando a transformação de uma área degradada e insegura em uma região que vai gerar empregos, renda, oportunidades sociais, turismo, segurança e sustentabilidade.” Ele avalia que o Rio vive um momento especial na retomada do turismo. “Toda crise gera oportunidades. No momento, existem muitos espaços fechados e mal utilizados para transformar em atrativos para o turismo.”

Com sua visão peculiar, Accioly afirma querer desenvolver equipamentos para toda a família, melhorar a experiência do turista, aumentar o tempo de estada do visitante e, dessa forma, gerar riqueza na cidade. “Copacabana, por exemplo, tem potencial de se tornar a Broadway brasileira.” •


FATO CONSUMADO

STJ libera tirolesa entre os morros da Urca e do Pão de Açúcar porque “paralisação das obras causaria mais prejuízos que sua finalização”

Ameaça. O MP argumenta que o projeto traz riscos geológicos – Imagem: Redes Sociais

Outro projeto que tem atormentado os cariocas – este sem ligação com Accioly – é a construção de uma tirolesa entre os morros da Urca e do Pão de Açúcar. Após idas e vindas na Justiça que mantinham as obras paradas desde abril de 2023, o Superior Tribunal de Justiça indeferiu este mês ação do Ministério Público que afirmava que o projeto trazia prejuízos geológicos, além de descaracterizar o monumento natural tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Por 4 votos a 1, os juízes da Segunda Turma do STJ afirmaram que “a paralisação das obras causaria mais prejuízos que a sua finalização”, e determinaram seu reinício imediato, que agora depende apenas da renovação de licenças pela prefeitura.

A sensação do “fato consumado” incomoda quem percebe o Rio como algo mais que um destino turístico. “Turismo é importante, mas não se pode atropelar a preservação ambiental. É possível ter uma cidade em que o meio ambiente e a atividade turística convivam em equilíbrio. Atualmente, há uma visão mercantilista da cidade acima do bem-estar da população. Várias concessões de parques estão sendo feitas à iniciativa privada, e isso é preo­cupante. O investidor não está interessado se aquela área é arborizada o suficiente ou tem interesse social, ele só quer saber se está dando lucro”, diz o vereador Leonel de Esquerda, do PT.

Publicado na edição n° 1368 de CartaCapital, em 02 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O dono do Rio’

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Last Update: 26/06/2025