O conflito entre a Europa e os EUA pode ser uma farsa

por Ion de Andrade

O declínio político e econômico dos Estados Unidos e da Europa é patente e põe um desafio existencial ao velho bloco euroamericano.

O anúncio de rearmamento na Europa com um investimento previsto de 800 bilhões de euros obrigará a Rússia a uma nova corrida armamentista que poderia levar a sua economia à exaustão.

Nos Estados Unidos a criação de um domo de ferro está nos planos de Trump que repetidamente vem apontando para a necessidade de que a Europa cuide da sua própria defesa para que os Estados Unidos possam se concentrar nos desafios postos pela China.

Tudo isso se dá num clima em que há uma aproximação dos Estados Unidos com a Rússia enquanto o país permanece como inimigo existencial no entendimento da maior parte dos governos europeus.

Portanto vai sendo gerada a situação em que a Europa passa a ocupar a Rússia dando aos Estados Unidos fôlego para se fortalecer no terreno da Ásia e do Pacífico onde presumivelmente enfrentará a China.

A aproximação dos Estados Unidos da Rússia vai alimentando também o sonho ocidental de afastar a Rússia da China não somente enfraquecendo a ideia da Eurásia como também permitindo que a ideia geopolítica de “dois conflitos diferentes” (Europa x Rússia de um lado e Estados Unidos x China do outro) ganhe materialidade fática.

Esse cenário desobrigaria também a Europa, sobretudo a Inglaterra e a França de ter que comparecer ao lado dos Estados Unidos com as suas marinhas e forças aéreas ao largo da China e de Taiwan oportunizando talvez laços diplomáticos amistosos entre a Europa e a China simétricos ao que passou a existir entre os Estados Unidos e a Rússia.

Ora, uma mudança completa das doutrinas econômicas, militares e geopolíticas sedimentadas desde a segunda grande guerra em parcos meses só poderia ter alguma chance não somente de emergir, mas, sobretudo, de ensejar alguma credibilidade internacional se contasse com o protagonismo de um personagem com as características de um Donald Trump.

Tais mudanças tão inacreditáveis quanto rápidas e profundas ocorrem em meio a uma tremenda cortina de fumaça produzida pela mais louca das guerras alfandegárias registradas pela história, como também por factóides produzidos pela própria Casa Branca como os diálogos entre Trump e Zelenski, transmitido ao vivo e em cores para o mundo inteiro ou o ocorrido com os seus homólogos da França e da Inglaterra. É essa cortina de fumaça que ocupa 90% do tempo da mídia e das redes sociais que permite que o absurdo que está em marcha não ganhe ares da ópera burlesca que talvez seja.

Será que a Rússia e a China estão realmente acreditando nessa nova geopolítica?

Ion de Andrade é médico epidemiologista e professor e pesquisador da Escolas de Saúde Pública do RN, é membro da coordenação nacional do Br Cidades e da executiva nacional da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela democracia

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Last Update: 08/03/2025