Moro(aes): o abismo entre letras e princípios
por Sabrina Kurscheidt
Nos últimos meses, um movimento cada vez mais articulado por setores da extrema-direita, aquela mesma que jurava amor eterno à Lava Jato, tem buscado estabelecer uma analogia entre a atuação do ex-juiz Sérgio Moro durante a Operação Lava Jato e as decisões do ministro Alexandre de Moraes no julgamento das ações golpistas de 8 de janeiro. Trata-se de um malabarismo discursivo, construído com o intuito claro de sustentar a tese de que Jair Bolsonaro é hoje alvo de perseguição política, nos moldes do que ocorreu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O argumento, no entanto, é construído em cima de vícios elementares. Em primeiro lugar, é preciso pontuar: no caso de Lula, jamais houve provas consistentes que sustentassem sua condenação. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que Sérgio Moro era parcial, que havia conluio entre juiz e acusação, e que os processos foram moldados com objetivos políticos específicos, inclusive com impactos diretos nas eleições de 2018. Não por acaso, após a sentença, o juiz virou ministro do presidente eleito e, mais tarde, lançou-se candidato, demonstrando que a imparcialidade nunca foi uma prioridade, mas sim um estorvo a ser contornado.
Alexandre de Moraes, por sua vez, atua em outro campo. O que está em julgamento são ataques organizados contra o Estado Democrático de Direito, com provas abundantes, confissões, vídeos, articulações documentadas e uma cadeia de eventos que culminou em uma tentativa de ruptura institucional grave que foi o 8 de janeiro. Ao contrário de Moro, Moraes não fabrica narrativas; ele responde a uma agressão real, concreta e dirigida não apenas ao Supremo Tribunal Federal, mas ao pacto constitucional de 1988.

É importante desmontar outro ponto central dessa falsa simetria: o argumento de que se Moro foi declarado suspeito por sua atuação enviesada, Moraes também deveria sê-lo por ser “parte interessada”, já que o STF foi alvo do ataque. Um argumento tão engenhoso quanto perigoso, e tão frágil quanto ridículo. Ministros do Supremo não são indivíduos isolados; são representantes de uma instituição. Permitir que golpistas escolham quais juízes podem julgá-los seria institucionalizar a chantagem política. Bastaria atacar o tribunal para alegar suspeição de todos os sabre precedentes perigosos.
Chama atenção, ainda, o fato de que os próprios defensores de Bolsonaro se apropriam agora dos termos e argumentos antes utilizados para criticar a Lava Jato, como se pudessem transplantar conceitos como “lawfare” e “perseguição judicial” para uma situação completamente distinta. Ao fazer isso, acabam por revelar mais do que pretendiam. Pois ao comparar Moraes a Moro, não estão, em última instância, reconhecendo que Moro de fato agiu de forma ilegal e parcial? Não é essa comparação uma confissão disfarçada de crítica?
O jogo retórico da extrema-direita, neste caso, entrega aquilo que pretendia ocultar: que os excessos da Lava Jato existiram, que seus protagonistas agiram fora dos limites da legalidade e que hoje tentam nivelar por baixo a atuação das instituições que ainda resistem à barbárie.
Trata-se de uma operação discursiva típica de quem quer escapar da responsabilização: deslegitimar a Justiça para se esconder da verdade. Ao transformar a exceção em regra e o abuso em norma, os que hoje se dizem perseguidos procuram apenas uma anistia antecipada. E contam com a confusão para isso. Porque se todos os juízes são parciais, então todo julgamento é inválido. E se todo julgamento é inválido, então não há mais justiça possível.
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