O Supremo Tribunal Federal (STF) foi, mais uma vez, o palco da disputa entre democracia e autoritarismo nesta terça-feira (10), com os interrogatórios do núcleo central da tentativa de golpe de Estado que culminou na invasão dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. A cena não poderia ser mais simbólica: antigos ministros de Estado, generais e figuras de alto escalão da gestão de Jair Bolsonaro (PL), agora sentados no banco dos réus, tentando se descolar da conspiração que por pouco não mergulhou o país em um regime de exceção.
Apesar da gravidade histórica do julgamento, a audiência foi marcada por um tom surpreendentemente descontraído. A condução dos interrogatórios do chamado “núcleo crucial” da trama golpista revelou contradições, minimizações e até piadas, exploradas por advogados de defesa, que arrancaram risos do plenário e desviaram a atenção do que realmente está em jogo: a responsabilização de altos agentes do Estado por planejar a quebra da ordem democrática.
A atuação de Alexandre de Moraes, relator da investigação no STF, também gerou debate. Se por um lado o ministro foi visto como firme ao conduzir os interrogatórios e desarmar tentativas de distorção, sua fala final, ao mencionar as “desculpas” dos réus, foi interpretada por alguns como sinal de brandura excessiva. Para outros, trata-se de uma estratégia: ao manter a liturgia institucional e evitar o confronto direto, o STF busca desmontar o discurso de perseguição usado pela extrema direita.
O fato é que Bolsonaro admitiu ter discutido com comandantes militares medidas de exceção diante da derrota eleitoral em 2022, incluindo a decretação de estado de sítio — uma possibilidade que ele próprio reconheceu como “alternativa” diante da impossibilidade de reverter judicialmente o resultado das urnas. A fala representa uma das confissões mais diretas de que houve, de fato, articulação para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro também confirmou a exibição da chamada “minuta do golpe” em uma reunião no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022. Segundo ele, o documento foi mostrado “de forma rápida” e “numa tela de televisão”, sendo apenas um conjunto de “considerandos”. Apesar da tentativa de minimizar o conteúdo, o material previa a prisão de ministros do STF e a anulação das eleições, o cerne do plano golpista.
Diante de Moraes, Bolsonaro ainda tentou se distanciar dos atos antidemocráticos promovidos por seus apoiadores, chamando de “malucos” os que pediam nas ruas a intervenção militar e a volta do AI-5. “Há sempre uns malucos”, disse. A declaração provocou reações dentro e fora do plenário, sobretudo por vir de quem, durante quatro anos, alimentou a retórica golpista e deslegitimou o sistema eleitoral brasileiro.
No fim, o que fica claro é que o julgamento do núcleo golpista não é apenas um acerto de contas com o passado recente. É também um marco fundamental na tentativa de impedir que a extrema direita transforme o golpismo em narrativa heroica.