O governo deveria tratar a carestia dos alimentos como uma emergência social devido ao risco de causar insegurança alimentar, fome e endividamento de milhões de brasileiros.
Para adquirir os itens alimentícios da cesta básica, o trabalhador brasileiro gasta, em média, mais de 40% do salário mínimo, que desde 1º de janeiro é de 1.518 reais. Em São Paulo o custo da cesta básica é o maior do país – R$ 851,82, quase 60% do salário mínimo.
O pesado comprometimento da renda do trabalho com alimentação reduz drasticamente o poder aquisitivo de 70% da população brasileira, que fica sem dinheiro “para atender as [demais] necessidades vitais básicas dos trabalhadores e suas famílias com moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”, que deveriam ser garantidas com o salário mínimo [art. 7º da Constituição].
O Dieese calcula que o salário mínimo deveria ser hoje de R$ 7.156 para assegurar condições mínimas de sobrevivência. No entanto, o valor vigente representa apenas 21% do salário mínimo necessário calculado pelo Dieese.
A população brasileira é, na sua enorme maioria, pobre, de baixa renda, e sobrevive com uma remuneração deficitária.
Cerca de 38% ganha até um salário mínimo e 32% ganha entre um e dois salários mínimos. Além disso, outras 20,5 milhões de famílias, 53,9 milhões de pessoas, recebem em média 671,21 reais por mês de auxílio do Bolsa Família [Fonte: mds.gov.br]
Isso significa, portanto, que mais de 80% da população do país sofre drasticamente com a carestia; e, portanto, depende de políticas de Estado para não padecer de uma catástrofe humanitária.
A experiência internacional mostra que para enfrentar os efeitos do alto custo da alimentação e seus impactos nefastos para os trabalhadores e suas famílias, governos nacionais precisam adotar medidas extraordinárias, com custo orçamentário relevante. A austeridade fiscal, nesse contexto, não é remédio; é veneno.
A inflação de alimentos desafia governantes no mundo inteiro. É um fenômeno pós-pandemia que persiste no tempo e cobra dos governos a adoção de medidas de proteção e ajuda às pessoas, especialmente aquelas mais vulneráveis.
Em ensaio publicado na Foreign Affairs, a professora da Universidade de Massachussets Isabella Weber descreve dois tipos de governos: [i] o dos EUA, Reino Unido, Japão e da Índia, que colheram resultados eleitorais desfavoráveis, porque perderam a batalha contra a inflação de alimentos, e [ii] os governos de países que venceram essa batalha, como do México e da Espanha.
“Os governos podem se manifestar e proteger os cidadãos contra choques de custos em tempos de desastres”, ela sustenta.
No México, por exemplo, no ano de 2023 o governo do então presidente Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, despendeu 20,4 bilhões de dólares, correspondentes a 1,4% do PIB do país, em medidas para assegurar o acesso da população a alimentos e itens essenciais de consumo.
AMLO “lançou um ambicioso pacote de políticas com o objetivo de estabilizar os preços de bens dos quais as pessoas e as empresas não podem prescindir”, descreve Isabella.
O governo mexicano estabeleceu um acordo com os oligopólios do setor da alimentação para garantir um teto do preço da cesta básica com 24 produtos essenciais – além de alimentos de consumo habitual das famílias, itens essenciais de higiene.
E AMLO também estimulou a produção da agricultura familiar, como faz o governo Lula por meio do PRONAF, para aumentar a produção de milho, feijão, arroz, leite e alimentos básicos e criar estoques reguladores.
AMLO também “limitou os preços da gasolina, do diesel e do gás liquefeito de petróleo, bem como os preços da eletricidade para as famílias, por meio de subsídios que foram pagos em parte pelas altas receitas da empresa estatal de petróleo, a PEMEX”. Tudo para preservar o poder de compra corroído pelo custo elevado dos alimentos.
Na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez também adotou medidas extraordinárias para preservar o poder aquisitivo da população: determinou um teto de preço para o gás, proibiu os proprietários de aumentar os aluguéis em mais de 2%, reduziu drasticamente os custos de transporte público e eliminou temporariamente o imposto sobre valor agregado em itens alimentares essenciais.
Ao lado dessas medidas, Sánchez ainda criou uma instituição governamental para “monitorar os lucros corporativos, e introduziu impostos sobre lucros inesperados em empresas de energia e bancos”.
Além de analisar a viabilidade dessas medidas que foram exitosas no México e na Espanha, o governo brasileiro deveria viabilizar com a máxima urgência a complementação da cesta básica da população mais vulnerável, articulando municípios, movimentos sociais e organizações populares neste esforço que deve envolver toda a sociedade.
Uma linha do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos poderia ser direcionada para disponibilizar alimentos para pelo menos as 20,5 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família e para os milhões de trabalhadores que sobrevivem com um salário mínimo.
O enfrentamento da carestia dos alimentos é complexo e demanda recursos orçamentários em escala relevante.
Confiar somente na safra deste ano, que se espera recorde, e no “bom comportamento” do dólar, não será suficiente para controlar “a inflação pós-pandemia, [que] é diferente da inflação que o Brasil e o mundo tiveram no passado”, alerta o Nobel de Economia de Economia Joseph Stiglitz.
Como conclui seu ensaio Isabella Weber, “em uma era de choques e emergências sobrepostas, a política de preços de itens essenciais provavelmente continuará sendo um campo de batalha definidor” do destino eleitoral de governos.
A carestia de alimentos representa uma grande ameaça para o governo Lula na eleição de 2026. O governo preciso agir, e rapidamente, pois o fascismo está sempre à espreita, alertava Umberto Eco.
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