Extrema-Direita Ameaça a Democracia e o Planeta
por Maria Luiza Falcão
Muito se fala sobre como o avanço da extrema-direita ameaça a democracia, os direitos civis e a difusão de informações compradas cientificamente. Tudo isso é verdade. Mas há uma consequência menos visível e talvez ainda mais devastadora que precisa ser trazida ao centro do debate: a extrema-direita está sabotando o futuro do planeta.
Negacionismo climático, desmonte ambiental, ataques à cooperação internacional, perseguição a cientistas e ativistas: a agenda da extrema-direita é incompatível com qualquer ideia séria de desenvolvimento sustentável. Se essa lógica continuar se espalhando, o preço será pago por toda a humanidade.
O negacionismo virou política de Estado
Por décadas, negar as mudanças climáticas parecia algo de setores marginais. Hoje, é política oficial em vários países. Nos Estados Unidos, Donald Trump retirou o país do Acordo de Paris e desmantelou órgãos ambientais. No Brasil, Jair Bolsonaro cortou verbas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), enfraqueceu a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e incentivou invasões de terras indígenas e áreas de conservação.
Essa postura não é ignorância — é estratégia. Ao desacreditar a ciência e atacar ambientalistas, governos extremistas abrem espaço para projetos econômicos baseados na destruição: desmatamento, garimpo ilegal, petróleo, agronegócio predatório. Ganhos imediatos para poucos, perdas irreparáveis para todos.
O multilateralismo é descartado em nome do isolacionismo
O enfrentamento da crise climática exige cooperação global. Poluição, escassez hídrica, migrações climáticas — nada disso respeita fronteiras. Mas a extrema-direita opera por uma lógica oposta: nacionalismo, fechamento e desconfiança dos pactos internacionais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) é demonizada, os acordos multilaterais são tratados como ameaça à soberania. O Acordo de Paris vira “fraude”. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são ignorados. E com isso, a governança ambiental global é enfraquecida ou paralisada.
Sem coordenação internacional, não há solução real para problemas que são, por definição, planetários.
Chamam de “liberdade econômica”, mas é devastação pura
Em nome do crescimento econômico, governos de extrema-direita impulsionam a liberação geral: da terra, dos rios, das leis. O discurso é conhecido — “ou protegemos o meio ambiente, ou geramos emprego”. Trata-se de uma falsa escolha.
A prática mostra o contrário. Onde essa política avança, o que cresce é o desmatamento, a grilagem, o trabalho escravo, o envenenamento de territórios, o conflito armado no campo. A ideia de “progresso” vira um pretexto para um modelo econômico colonial, violento e insustentável.
Defender a natureza virou crime
Para garantir que esse projeto perverso avance, a crítica precisa ser silenciada. Cientistas são desacreditados. Ativistas, perseguidos e com certa frequência mortos. ONGs são ameaçadas. Povos indígenas e comunidades tradicionais são tratados como obstáculos ao “desenvolvimento”.
O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na Amazônia não foi um episódio isolado. Foi um retrato cruel de como a defesa do meio ambiente se tornou uma atividade de alto risco, especialmente em regimes que normalizam o ódio e protegem interesses criminosos.
Essa lógica se repete em outros países governados pela extrema-direita. E a tendência é de piora.
Um planeta insustentável é também uma sociedade autoritária
Sustentabilidade não é só clima. É também justiça social, igualdade, saúde pública, educação e democracia. E todos esses pilares são corroídos quando a extrema-direita assume o poder.
O corte de direitos, o ataque às minorias, a militarização da política e o ódio às instituições fazem parte de um projeto que desorganiza a vida em comum e destrói o meio ambiente ao mesmo tempo. É a política do colapso, e ela avança sob a capa de slogans patrióticos e promessas falsas.
A crise climática não é um cenário futuro. Ela já começou. E cada ano perdido com negacionismo e atraso é um ano roubado das próximas gerações.
Não se trata apenas de combater o aquecimento global com tecnologia e políticas públicas. É preciso barrar o avanço político de forças que lucram com a destruição e punem quem tenta evitá-la. A luta pelo meio ambiente hoje é também uma luta pela liberdade, pela ciência e pela dignidade humana.
Porque não haverá futuro sustentável sem democracia. E não haverá democracia num planeta morto.
Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA.
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