A crise humanitária no leste da República Democrática do Congo (RDC) atinge novos patamares de violência com a intensificação dos ataques do grupo rebelde M23. O recente sequestro de pelo menos 130 pacientes em hospitais na cidade de Goma, atribuído à facção armada, expõe a brutalidade do conflito que já deslocou centenas de milhares de pessoas, e que não se restringe ao campo de batalha.
Segundo informações da ONU, o M23 retirou à força 116 pacientes do Hospital CBCA Ndosho e 15 do Hospital Heal Africa, sob a acusação de que alguns estariam ligados ao exército congolês ou às milícias Wazalendo, que combatem o avanço rebelde. A ONU condenou o ataque e exigiu a libertação imediata dos reféns, mas a resposta internacional ainda se mostra tímida diante da crescente barbárie na região.
De acordo com a ONG Save the Children, cerca de 375 mil crianças estão sem aulas na província de Kivu do Norte, onde 17% das escolas foram fechadas devido ao conflito. Sem acesso à educação, essas crianças se tornam alvos fáceis para o recrutamento forçado por grupos armados e vítimas da violência generalizada.
O avanço do M23 desde dezembro de 2024 já resultou na morte de aproximadamente 7 mil pessoas, segundo estimativas locais, além da destruição de campos de deslocados e ataques sistemáticos a infraestruturas civis. O hospital de Bukavu, um dos últimos refúgios para feridos de guerra, tem recebido um fluxo crescente de vítimas, muitas delas relatando ataques indiscriminados contra a população.
O jogo de poder por trás do conflito
O M23, formado majoritariamente por tutsis congoleses, é acusado de receber apoio de Ruanda, um tema sensível que remete às rivalidades históricas entre os países vizinhos. O governo congolês denuncia a ingerência ruandesa, enquanto Kigali nega qualquer envolvimento. Ainda, a disputa geopolítica tem raízes profundas na exploração econômica da região, rica em minerais estratégicos como o cobalto, essencial para a transição energética.
Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, o pesquisador Lino Bordin, com vasta experiência nos programas de assistência da ACNUR, destacou a complexidade do conflito. “O Congo é historicamente uma peça-chave no tabuleiro econômico internacional. O que vemos agora é um conflito que mistura interesses de grupos armados, governos estrangeiros e corporações multinacionais.” Segundo ele, a instabilidade na RDC interessa a vários atores que lucram com a extração ilegal de recursos naturais.
Por ora, o silêncio da comunidade internacional diante do agravamento da crise reforça a percepção de que a RDC é um palco de guerra esquecida. Apesar dos reiterados apelos humanitários, as potências ocidentais demonstram pouco interesse em intervir, principalmente em um cenário de confusão no exterior após a chegada de Trump à Casa Branca e o retorno do movimento extremista MAGA (Make America Great Again).
O futuro da RDC: uma encruzilhada perigosa
A ofensiva do M23 continua avançando, e as perspectivas para o leste congolês são cada vez mais sombrias. A população, encurralada entre ataques rebeldes e a ineficácia do governo central, vê-se sem opções de segurança ou sobrevivência. Se a escalada do conflito não for contida, o risco de um colapso ainda maior pode tornar a região um novo epicentro de instabilidade na África.
Enquanto isso, o mundo segue assistindo a tragédia na RDC como se fosse um drama periférico, ignorando – ou disfarçando – que, nos subterrâneos dessa guerra, correm os interesses de uma economia global dependente dos recursos arrancados do solo africano, a qualquer custo, basta ver o apoio dos EUA e do Reino Unido aos ocupantes ruandeses.
Leia também: