No artigo Outro legislativo é possível?, publicado no último dia 1º no sítio esquerdista a terra é redonda, o ex-parlamentar petista Chico Whitaker e atualmente apresentando-se como ativista, brinda o leitor com uma ideia inovadora, que antes de tecer considerações, deixaremos que seja exposta pelas palavras do próprio seu objetivo autoproclamado: “uma proposta para interferir na composição de nosso Legislativo, para que ele represente nossas maiorias mais do que carentes e não nossas minorias privilegiadas”. Que brilhante, porque ninguém nunca pensou nisso antes? Ou será que pensaram, mas entre o pensar e o conseguir, depararam-se com o mundo real.
Desde 2002, a esquerda brasileira tem votos mais do que suficientes para eleger um presidente da República, o que requer nada menos do que dezenas de milhões de votos. Antes de qualquer coisa, um observador atento e verdadeiramente preocupado com a baixa representatividade dos trabalhadores deveria questionar o fenômeno em si. Como o maior partido da esquerda brasileira consegue emplacar presidentes da República, mas não consegue eleger sequer um quinto dos deputados da Câmara?
Ou o povo brasileiro é completamente louco (e nesse caso não precisa de políticos, mas de psiquiatras), ou então a classe dominante, que como o próprio autor reconhece, fraudava eleições a torto e direito há cem anos, continua fraudando eleições hoje. É claro que a única razão plausível para o fenômeno é a manipulação das eleições e no caso das eleições legislativas, sequer precisamos recorrer a ilegalidades para perceber isso.
Berço do PT, da CUT e estado mais desenvolvido do País, São Paulo é o grande centro industrial do Brasil, onde a classe trabalhadora é mais poderosa. Com mais de um quinto da população brasileira, o estado, no entanto, tem inacreditáveis 13% de presença na Câmara dos Deputados, o que já configura uma manipulação fraudulenta, ainda que dentro de uma lei que estabeleça um teto de 70 parlamentares para cada unidade federativa.
Como, porém, o ex-parlamentar preocupado em formar uma grande bancada de esquerda vê o problema que impede a concretização do seu plano? “Temos que atacar”, diz Whitaker, “uma das distorções fundamentais do nosso processo eleitoral e da nossa democracia: a possibilidade de um candidato ser eleito comprando votos de eleitores”.
Depois de toda a desgraça causada pela cruzada contra a corrupção, a proposta do ativista é retomar a Lava Jato. Sua proposta fica ainda mais clara do ponto de vista da política (e direitista) quando Whitaker apresenta a solução para os problemas da esquerda:
“Os legisladores da ocasião, e todos os outros que se seguiram até o fim do século passado, cometeram um pequeno grande erro: tipificaram o crime – como podendo ser cometido tanto por quem compra como por quem vende o seu voto – mas não deram à Justiça Eleitoral, então também criada, instrumentos e meios legais para coibir esse crime. Resultado conta-se nos dedos aqueles que ao longo desses anos foram punidos por comprarem votos.
(…)
Não podemos criar, ao longo dos próximos três anos, em cada um dos municípios brasileiros, pequenos coletivos de eleitores dispostos a fiscalizar as eleições quanto a compra de votos, para denunciá-las ao MP que as encaminhará ao Juiz que as punirá? Para isso seguramente contaremos com o apoio dos aguerridos membros do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), uma entidade que reúne mais de 70 organizações sociais nacionais!”
Eis a grande solução de Whitaker para os problemas nacionais: o combate à corrupção. Que a esquerda se converta em um exército de caçadores de marajás, tal como Fernando Collor, auxiliando a impoluta justiça eleitoral a instaurar um regime de terror contra candidaturas.
Com uma posição dessas, é surpreendente que o ativista não encerre seu artigo defendendo Sergio Moro como presidente da República e pedindo cadeia para o “nine“, tal como fazem os mais empedernidos bolsonaristas. O MCCE supracitado, por sinal, é uma organização cujo grande mérito para a sociedade brasileira foi a criação da famigerada Lei da Ficha Limpa, por meio da qual, um segundo golpe de Estado foi perpetrado contra o povo brasileiro, com a proscrição da candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.
Organizado pela santa Justiça Eleitoral, o golpe de 2018 foi decisivo para a vitória de Jair Bolsonaro e a sequência de crimes que aconteceram no País posteriormente: a entrega da base de Alcântara, o Marco das Águas, a privatização da Eletrobrás e a condução criminosa da política para a pandemia, responsável por produzir um genocídio no Brasil. Eis no que resultou a luta contra a corrupção defendida por Whitaker, que demonstra ter acordado repentinamente de um estado de coma responsável por tirar o homem vida nos últimos 10 anos, sem ter passado pela experiência traumática do que defende.
É claro que a esquerda não deve endossar esse tipo de loucura. O que precisa ser transformado é o sistema eleitoral, a justiça inclusive, uma vez que os golpes de 2016 e 2018 deixaram claro para todos que estão acordados, que o judiciário brasileiro é uma parte importante da ditadura imposta ao povo brasileiro.
Converter as bases da esquerda em apêndices da burocracia judicial não fará nada além de fortalecer o bolsonarismo e o decrépito PSDB, justamente o que os trabalhadores e estudantes do Brasil não devem fazer nesse momento. Devem, isso sim, mobilizar as próprias forças para acabar com a ditadura imperialista e reformular completamente o sistema político brasileiro, de modo a torná-lo verdadeiramente democrático.