A COP30, realizada em Belém, Brasil, deixou um rastro de insatisfação e dúvidas sobre o futuro do multilateralismo climático. Apesar de alguns avanços, o encontro foi amplamente criticado por ambientalistas, representantes de países em desenvolvimento e especialistas. O Portal Vermelho entrevistou três deles para sondar sua percepção sobre os resultados e consequências.
Para Inamara Melo, coordenadora-geral de Adaptação à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, o evento refletiu os desafios de um cenário geopolítico complexo. “Foi frustrante não alcançar o valor anual de US$ 1,3 trilhão para financiamento climático global, uma meta crucial para os países em desenvolvimento. O fundo de US$ 300 bilhões anuais está longe de atender às necessidades reais”, avaliou.
Para ela, o caminho à frente é claro. “Não podemos esperar que soluções venham de mão beijada dos países desenvolvidos. O esforço para salvar vidas, proteger o planeta e erradicar a pobreza precisa ser construído por nós mesmos. O Brasil está se movendo na direção certa, e a COP30 será um momento crucial para consolidar essa liderança”, concluiu.
Já o professor da UFAM e especialista em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Eron Bezerra, foi ainda mais incisivo. Ele destacou que a conferência repetiu o padrão de “muita pompa e poucos resultados concretos”. Segundo ele, “os países ricos acumulam riquezas à custa da destruição ambiental, mas se recusam a adotar mudanças estruturais e tentam terceirizar a responsabilidade para as nações emergentes e pobres”.
“O grande objetivo das conferências deveria ser criar mecanismos para cumprir as metas aprovadas. No entanto, o que vemos é uma retórica que não se traduz em ação”, criticou Bezerra. “Isso [os US$ 300 bi] não passa de uma tentativa de endividar ainda mais essas nações pobres para corrigir os problemas criados pelos ricos. É uma solução vergonhosa e ineficaz”, criticou.
O indigenista Gustavo Guerreiro concorda que o financiamento aprovado está muito aquém do necessário e critica a ausência de avanços em questões estruturais. “O acordo sequer menciona a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis, uma lacuna inaceitável. A presidência da COP29 foi considerada incompetente por diversas entidades”, afirmou.
A condução do evento também foi alvo de críticas severas. “A presidência da COP29 foi considerada incompetente por entidades respeitadas, como o Observatório do Clima. A falta de liderança forte comprometeu as negociações, deixando um vazio que precisa ser preenchido urgentemente na COP30”, acrescentou.
Brasil: protagonismo em construção
Apesar das críticas, Inamara Melo destacou o papel relevante do Brasil. “Apresentamos uma Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) ambiciosa, com metas de redução de emissões entre 59% e 67% até 2035. Estamos integrando a agenda climática às políticas públicas de forma estrutural, com instrumentos como o Fundo Clima e os Títulos Soberanos Sustentáveis”, afirmou.
“Essas ferramentas demonstram que estamos integrando a agenda climática às políticas públicas de forma estrutural. É um sinal claro de que o Brasil está disposto a liderar pelo exemplo”, afirmou.
Bezerra também reconhece o potencial do Brasil, mas ressalta a necessidade de um alinhamento estratégico com outros países emergentes, como a China. “Lula e Xi Jinping precisam liderar uma cruzada por um modelo efetivamente sustentável. Nossa matriz energética limpa e a Amazônia como ativo estratégico nos colocam em uma posição privilegiada, mas precisamos de ações mais robustas e menos dependência de soluções paliativas como créditos de carbono.”
“Nossa maior floresta tropical, a Amazônia, é um ativo estratégico para o equilíbrio climático mundial. Além disso, o Brasil já tem experiências práticas em mitigação, como transição energética e reaproveitamento de resíduos. Agora é hora de liderar pelo exemplo”, afirmou.
Gustavo Guerreiro, por sua vez, acredita que a COP30, marcada para ocorrer em Belém, será uma oportunidade única para o Brasil demonstrar liderança global. Apesar do cenário desanimador, ele mantém a esperança de que as negociações futuras possam ser mais produtivas. “A COP30 será um teste crucial para o Brasil e para o processo multilateral como um todo. Precisamos acompanhar de perto como os desdobramentos de Baku vão influenciar as articulações globais daqui para frente”, concluiu.“
Críticas ao multilateralismo e à responsabilidade dos países ricos
Um ponto de consenso entre os entrevistados é a ineficácia do multilateralismo diante das tensões globais. “A resistência dos países desenvolvidos em adotar mudanças estruturais, fica claro que o sistema atual está falhando em resolver a crise climática”, disse Inamara.
Além disso, lacunas em áreas essenciais, como o Programa de Trabalho de Transição Justa e o Balanço Global do Acordo de Paris, reforçaram o sentimento de descrédito no processo multilateral. “Há quem questione se o multilateralismo ainda é eficaz para resolver a crise climática, especialmente diante da volta de Trump à Casa Branca e das tensões globais. A ameaça de abandono da conferência por países vulneráveis quase levou ao colapso das negociações. Foi preciso um trabalho diplomático intenso, muitas vezes madrugada adentro, para salvar a declaração final”, disse ela.
Bezerra reforçou a crítica, apontando que “os países ricos ainda resistem a atualizar suas matrizes energéticas e reflorestar áreas degradadas, enquanto mascaram sua responsabilidade e criam barreiras para produtos de países em desenvolvimento”. Bezerra aponta os países ricos como os principais responsáveis pela crise climática e os maiores obstáculos para uma solução efetiva.
Guerreiro destacou que o Brasil precisa aproveitar a COP30 para reconstruir a confiança no multilateralismo ao assumir uma postura protagonista e trabalhar pela recon