Rejane de Oliveira, da Executiva Nacional da CSP-Conlutas e da direção estadual do PSTU/RS
Desde a semana passada está vigente a Portaria 991 do Ministério do Trabalho, chamado “Programa emergencial de apoio financeiro a trabalhadores dos municípios em situação de calamidade do Rio Grande do Sul”. A portaria estabelece o pagamento, via governo federal, do valor correspondente a um salário mínimo nos meses de julho e agosto, por trabalhador, nas folhas de pagamento das empresas que aderirem ao programa de “manutenção de emprego”. Esta medida vai ter um custo de R$ 1,225 bilhão que sairá dos nossos recursos.
Aparentemente é uma medida de auxílio aos trabalhadores. Mas não é. Ela vai pagar parte da folha de pagamento de grandes empresas de municípios localizados na “mancha” das enchentes. Basta a empresa assinar uma declaração de que foi afetada – de que houve redução de seu faturamento – e já será contemplada. Por outro lado, a única contrapartida exigida é que estas empresas mantenham esses trabalhadores por outros 2 meses. Ou seja – estão liberados para demitir a partir de outubro deste ano.
Esta não é a única medida de facilitação às grandes empresas. Já foram beneficiadas pela suspensão de recolhimento de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por 6 meses, além de terem acesso a linhas de crédito com carência de 12 meses e juros subsidiados (no valor total de R$ 15 bilhões).
O lamentável papel das grandes centrais sindicais
O lamentável pronunciamento das grandes centrais sindicais sobre a Portaria 991 é a expressão da política, não só de capitulação ao governo Lula, mas também de conciliação de classes, fortalecendo a campanha dos grandes canais de comunicação de que há uma saída de braços dados com o grande empresariado. Declaram:
“Nós das centrais (CUT, CTB, Força Sindical e inclusive Intersindical), numa aproximação com setores empresariais, construímos 14 itens importantes, alguns acolhidos pela MP do governo federal, que nós saudamos”.
Em primeiro lugar, entendemos que não se pode falar de “empresas”, genericamente. Há duas situações completamente diferentes. No caso das micro e pequenas empresas, que vivem do seu pequeno negócio e que, segundo o próprio Sebrae, criaram 80% dos empregos formais em 2023, é mais do que necessário reparar integralmente suas perdas.
Outra coisa é a realidade das grandes empresas, inclusive de multinacionais que distribuem dividendos anualmente mantendo centenas de bilionários improdutivos. Grandes centros industriais como a Refinaria Alberto Pasqualini, Randon e Marcopolo – que estão localizadas em cidades enquadradas na “mancha da inundação” – ficaram pouquíssimos dias sem operar em maio. Até a fábrica de chocolates Neugebauer, que se localiza numa cidade que foi arrasada pela enchente (Arroio do Meio), não teve nenhum impacto das chuvas no seu parque industrial. Basta que estas grandes empresas declarem que “houve uma redução de faturamento” e terão direito que nossos recursos (dinheiro público) seja utilizado para pagar parte da sua folha de pagamento.
A Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Valdete Severo, em entrevista ao jornal Sul 21 declarou que “existe um uso oportunista das calamidades para flexibilizar direitos trabalhistas” e medidas anunciadas pelo governo Lula são voltadas, principalmente, para proteger empresas.
Para Valdete, o governo está perdendo a oportunidade de apresentar propostas que percorram o caminho inverso, garantindo maior proteção aos trabalhadores em momentos de calamidade:
“A gente não vê movimento do governo atual no sentido de proteger mais essas pessoas que dependem do trabalho. Agora era hora de aproveitar, por exemplo, para regulamentar a proteção contra despedida, para regulamentar a necessidade de motivo para poder despedir, e não para usar uma lei da época do Bolsonaro, que é uma lei empresarial, não é uma lei de proteção ao trabalho”.
Nós concordamos com Valdete. Seria uma ótima oportunidade para, além de defendermos uma campanha de estabilidade por no mínimo 12 meses – que é o período de carência já obtido em quase todos os financiamentos destas empresas, colocarmos na rua a campanha pela redução da jornada de trabalho, sem redução de salário. Esta sempre foi uma bandeira central no movimento sindical. Só a redução para 36 horas abriria mais de 10,5 milhões de postos de empregos no país, por exemplo.
Mas não só. Já passou da hora de cobrar do governo Lula/Alckmin a revogação das reformas Trabalhista e a da Previdência, assim como a Lei de Terceirizações e das Parcerias Público Privadas (PPP´s) e garantir carteira assinada e direitos sociais e trabalhistas para todos os trabalhadores, inclusive os de aplicativos.
Para gerar empregos e impedir os cartéis e fraudes nas obras – Criar uma empresa e um plano de obras públicas
Neste pós-enchente há uma grande demanda de obras que não são realizadas diretamente por empresas públicas. Contratam-se inúmeras empresas com dispensa de licitação, devido à situação emergencial, o que abre brecha para maior incidência de fraudes e corrupção.
Na semana passada, o canal UOL denunciou contratos do governo federal com consultorias de engenharia para a recuperação de rodovias destruídas pelas enchentes, em que há indícios de combinação de preços entre as empresas convidadas. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) convidou para o trabalho quatro empresas que costumam ganhar licitações juntas. Três delas ofereceram descontos, e cada uma ficou com um contrato.
As empresas STE, Ecoplan e Magna, de Porto Alegre e Canoas, foram escolhidas para assessorar o DNIT por um ano nas obras. Os contratos são de, respectivamente, R$ 23,6 milhões, R$ 19 milhões e R$ 30,1 milhões. Cada uma ficou responsável por uma região do estado.
E pasmem, as empresas que ganharam as disputas já foram condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por superfaturamento e fraude.
Mesmo com esses indícios e as condenações anteriores, o DNIT não identifica nenhuma irregularidade, deixando nítido que precisamos estar atentos a todos os governos.
Quem vai controlar e fiscalizar estas obras?
Existiam mais de 22 mil obras públicas inacabadas, segundo dados da Comissão Especial de Obras Inacabadas do Senado. Na prática, não existe fiscalização nem as chamadas medição da obra.
É bastante comum contratações superfaturadas, realização de obras com materiais precários (ocasionando queda de viadutos e ciclovias), projetos que não condizem com a realidade ou que não saem do papel.
Não seria muito mais lógico utilizar os recursos destinados para socorrer as grandes empresas (como os R$ 15 bilhões do BNDES e os R$ 1,225 bilhões de pagamento da folha de pagamento das empresas) para criar uma empresa pública que coordenasse todas as obras necessárias? Uma empresa que poderia gerar milhares de empregos diretos? Uma empresa que deveria ser administrada e fiscalizada pela população atingida e trabalhadores?
A luta em defesa do emprego é uma luta da nossa classe e contra o sistema
O problema do desemprego no Rio Grande do Sul não começa com as enchentes. Apesar do índice formal de desemprego no estado, no fim de 2023, ser de “apenas” 5,2% da população, este dado é uma expressão distorcida, pois uma ampla maioria já desistiu de procurar uma vaga no mercado.
No estado há 1,9 milhão de pessoas em situação de informalidade. A realidade que vivemos hoje (também no Brasil e no mundo) é de uma parcela cada vez maior da população jogada no desemprego ou na informalidade, o que é parte fundamental da lógica capitalista. Mais da metade da força de trabalho no mundo encontra-se na informalidade.
Os jovens já entram no mercado de trabalho na informalidade. Os trabalhadores em idade para se aposentar tomaram um duro golpe com as sucessivas reformas da Previdência. E essa mudança na pirâmide etária brasileira vai trazer ainda mais consequências, pois teremos um mar de idosos que não se aposentarão e continuarão trabalhando.
O capitalismo transforma os trabalhadores em peças descartáveis em seu mecanismo de reprodução. É o chamado exército industrial de reserva que pressiona para um rebaixamento do valor médio do trabalho e é parte da natureza do próprio sistema. Assim, nunca haverá, no capitalismo, uma situação de tranquilidade e estabilidade por parte dos trabalhadores, uma vez que o desemprego e a informalidade atingem permanentemente os trabalhadores.
Por isto, não basta apenas denunciar os limites e interesses por trás das saídas apresentadas pelos governos e empresariado. Precisamos lutar contra mais esta expressão bizarra do sistema capitalista e apresentar saídas que incluam, nesta luta, essa massa de pessoas sem emprego ou nos subempregos. É isto que a história da luta de classes nos ensinou e continua nos alertando. Nossa tarefa é ajudar a abrir os olhos de quem não consegue enxergar e não contribuir para que os olhos continuem fechados.
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