A música popular brasileira sempre foi exuberante quanto às cantoras; além das vozes de Elis Regina e Gal Costa – respectivamente, as vozes mais representativas da Bossa Nova e do Tropicalismo –, de Aracy de Almeida a Flora Purim, encontram-se artistas feitas Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, Clara Nunes, Elba Ramalho, Cátia de França, Baby Consuelo, Beth Carvalho e Ivone Lara – certamente, uma das vozes mais belas da história do samba –. Entra tantas, há espaço para representantes de pequena burguesia, justificadas, em parte, pela classe social abastada, por exemplo, Nara Leão; vozes exageradamente colocadas, a priorizar antes a interpretação que o próprio canto, tais quais Maria Bethânia, Rita Lee e Cássia Eller; estereótipos quase sempre aviltantes, aos modos de Carmem Miranda; cantoras alternativas, acostumadas a dialogar com a música instrumental e de vanguarda, por isso mesmo, fora de indústria fonográfica, entre elas, Marlui Miranda e Célia Vaz; figuras da música pop, infelizmente esquecidas, feito Olívia Byington, ou pouco lembradas, como Claudia.

Seu álbum “Deixa eu dizer” foi lançado em 1973; anos depois, em 2008, entre as gravações de “A arte do barulho”, Marcelo D2 mixou, com os versos de sua composição “Desabafo”, o refrão da canção “Deixa eu dizer”, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, na interpretação, justamente, de Claudia, levando, assim, a recordar a cantora, quase esquecida. Na época, foi a canção mais divulgada do álbum de Marcelo D2; no arranjo, trata-se de mixagens com a voz da própria Claudia, na gravação que circulou assinada pelos dois intérpretes, separados por gerações, estilos, lugares e classes sociais distintas. Dessa maneira, alguns ouvintes, com certeza, buscando pela gravação original, constatam, agradavelmente, que tanto a canção quanto o álbum “Deixa eu dizer” vão além do refrão e Claudia não se limita aos dois.

Entre variadas características, Claudia evoca traços de uma profissão caída em desuso, isto é, a cantora de boate, precisamente porque as boates, faz anos, deixaram de existir. Antes de tudo, boates não se confundem com casas de meretrício; para as devidas diferenças, remete-se, talvez, à mais famosa delas, ou seja, o Jogral, localizada, em meados dos anos 1960 e início da década posterior, na cidade de São Paulo, sob a direção do músico Luiz Carlos Paraná. Evidentemente, por ser ambiente noturno e frequentado por adultos, o Jogral, como as demais boates, era lugar de boemia, portanto, um espaço para pessoas maduras que, todavia, não se resumiam a drogados, bêbados, michês e prostitutas; no caso, a maioria frequentava o bar para escutar música, vinda de um palco no qual se apresentaram Jorge Ben, Trio Mocotó, Maysa, Toquinho, Paulo Vanzolini e Adoniran Barbosa; nessas circunstância, definem-se as cantoras de boate, quer dizer, cantoras profissionais, logo, mulheres emancipadas e distantes da pequena burguesia desocupada, acostumada a passar as tardes ociosas tocando violão e entoando cantigas insossas.

Contudo, haveria distinções entre cantoras assim e aquelas, próprias de movimentos artísticos específicos, feito o Samba, a Bossa Nova, o Tropicalismo, o Rock Brasileiro, o Axé etc.? Quais seriam, então, as diferenças entre Claudia e, por exemplo, Beth Carvalho, Elis Regina, Gal Costa, Cássia Eller ou Margareth Menezes? Quanto às semelhanças, poucas delas são compositoras, consequentemente, o trabalho artístico centra-se na interpretação de obras alheias, diversamente de Rita Lee, Paula Toller ou Adriana Calcanhoto, as quais enfatizam as próprias canções, gravando, eventualmente, criações de outros compositores. Há, entretanto, sutis diferenças quanto à escolha do repertório.

Em linhas gerais, enquanto cantoras de boate adaptam o repertório à própria voz e ao gosto dos habitués, cantoras engajadas com gêneros ou movimentos artísticos adequam suas vozes e repertórios ao estilo com o qual se engajam. Gal Costa, por exemplo, escolhe o repertório entre composições de artistas diversificados, tais quais Ary Barroso, Dorival Caymmi, Roberto Carlos, Gilberto Gil e Caetano Veloso, contudo, principalmente em início de carreira, todos os aspectos de seu estilo convergem para a estética tropicalista, tanto os músicos acompanhantes, motivados a combinar instrumentos elétricos com percussão brasileira, quanto a performance, cantando descalça, de cabelos encaracolados longos e soltos, vestindo-se sem pudores ao expor ombros, colo, ventre e as pernas diante dos conservadores. Cantoras como Claudia, porém, procedem diferentemente, não havendo uniformidade quanto às bandas, sem participações significativas e, geralmente, restritas ao acompanhamento da intérprete; a performance tende a se reduzir ao canto, sem destaque em cenário e figurinos; segundo se observa, as canções se conformam às características da voz, singularizada nas interpretações.

Diante disso, cabe indagar se Claudia, semelhantemente a tantas cantoras, trabalhou em bares noturnos ou boates antes de se profissionalizar artisticamente. A resposta é negativa; Claudia cantou em conjuntos de baile, animando festas de cidades do Rio de Janeiro, para, em seguida, destacar-se em programas de televisão, na época, recentemente introduzida no Brasil, alcançando, assim, a indústria fonográfica. O critério utilizado para caracterizá-la enquanto cantora de boate, porém, não é de natureza biográfica, mas estilística; em vista disso, havendo, inclusive, convergências entre cantores de baile e de boate quanto aos aspectos apontados antes, não há por que invalidar a qualificação.

No álbum enfocado, “Deixa eu dizer”, logo nas primeiras fachas, sugere-se a ambiência noturna das boates por meio do repertório, formado, basicamente, por blues abrasileirados, sambas ao estilo da Bossa Nova e sambas-canção tematizando, explicitamente, tópicos recorrentes no gênero, que remetem à célebre “dor de cotovelo”, em boas composições do “fino da fossa”, ou seja, do abandono amoroso. Nesse tópico, eis as canções do então LP, dispostas, não necessariamente, nessa ordem: (1) “Noite de verão”, da própria Claudia e de Raul Telles; (2) “Esse cara”, de Caetano Veloso; (3) “A fonte secou”, de Monsueto, Tufic Lauar e Marcléo; (4) “Você não sabe amar”, de Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima; (5) “Agora quem ri sou eu”, de Cristiê e, novamente, de Claudia; (6) “Chega de saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Considerando que os LPs tinham, no máximo, 12 fachas, trata-se da metade do álbum, cujo significado oscila entre a desesperança dos primeiros versos de “Chega de saudade”, os rompimentos narrados em “A fonte secou”, quando o amor acaba, ou os desacatos de quem, por fim, ri melhor. E as demais can

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Last Update: 30/12/2024