Brasil aderiu às Novas Rotas da Seda e a medíocre Cúpula do G20 de 2024

por Marcus Atalla, publicado em VeritXpress.

Entre 14 a 19 de novembro ocorreu a 19ª reunião de cúpula do G20 no Rio de Janeiro. Porém, falando-se de realpolitik, mesmo com diversas reuniões e a vinda dos chefes de Estado mais importantes do mundo, a única coisa relevante definidora ocorreu fora do evento no dia 20.

De 14 a 16 foi a Cúpula Social, com  271 atividades envolvendo ativistas da sociedade civil, instituições públicas, universidades e muitas Think Tanks e ONGs integradas a Departamentos de Estado dos EUA. Por mais bonito e organizado que foram esses eventos, graças ao esforço e trabalho dos organizadores, participantes e convidados, nada do que foi discutido será implantado pelos Governos.

Esses eventos sociais do G20 são como espaços de recreação que pais deixam os filhos para brincarem, enquanto participam de congressos. Entretanto, os monitores de recreação promovem atividades ludopedagógicas da esquerda compatível (progressismo neoliberal) de interesses econômicos e geopolíticos dos EUA. [A esquerda compatível, seus efeitos na política externa brasileira e ataques à Venezuela]. Assim, as crianças gastam energia e felizes não darão trabalho até o próximo G20.

Em 18 e 19 realizou-se a Cúpula de Chefes de Estado e de Governos com a presença da maioria dos chefes de estados do G20, que assinaram uma Declaração Final com pautas e políticas a lá Bono Vox (vocalista da banda U2). São aquelas pautas que são impossíveis de se ficar contra. Principalmente, porque são tão genéricas e idealistas utópicas – pelo fato de não terem atos fáticos -, não vincularem obrigações e servirem como ótimas para propaganda, sendo impossível para qualquer ser humano se dizer contra.

Pautas como, uma União pelo fim da fome e pobreza mundial, Taxação dos Super-ricos (pauta essa criada em Davos), compromissos climáticos e descarbonização (política que já subiu no telhado há tempos, nunca existiu fora dos discursos, nem nos países que a defendem como mera narrativa). Entenda melhor como a agenda climática está sendo usada como um neocolonialismo ao Sul Global, enquanto países centrais que a defendem continuam aumentando a exploração de hidrocarbonetos e fazendo guerras por essas: [A agenda climática e o neocolonialismo da África ao Brasil].

A impressão foi que o objetivo do Brasil era um G20 que desse um respiro e não discutisse a realidade mundial. Nisso, a diplomacia brasileira foi bem-sucedida e foi ao impedir que a temática do G20 fosse capturada pela propaganda de guerra do ocidente coletivo contra China e Rússia. Também conseguiu colocar na declaração final alguns parágrafos amenos, sobre genocídio dos palestinos por Israel e sobre a guerra por procuração da OTAN na Ucrânia.

No entanto, a vitória da diplomacia brasileira mesmo foi que durante o G20, pela primeira vez desde da mudança à política de não alinhamento ativo, o Brasil conseguiu fazer sua política pendular para agradar os EUA e UE, sem ir contra seus próprios interesses ou implodir sua própria política externa. Como fez ao romper relações com a Nicarágua, sem essa ter expulsado o embaixador brasileiro como afirmado.  Somado ao não reconhecimento da eleição de Maduro à presidência venezuelana, que, por conseguinte fez com que o Brasil apoiasse a tentativa de golpe de Estado na Venezuela perpetrada por grupos fascistas a mando dos EUA. Logo em seguida, o Brasil tentou pendular novamente aos EUA, vetando a mesma Venezuela de entrar no BRICS.

Com a ingerência na soberania da Venezuela o governo brasileiro implodiu sua própria busca por uma união dos países sul-americanos e implodiu a possibilidade do Brasil ser considerado um dos líderes do Sul Global, passando a ser visto com muita desconfiança pelos demais países por ser entendido como um país vassalo dos EUA, pelo menos por hora.

Brasil entrou oficialmente na Iniciativa Cinturão e Rota (Novas Rotas da Seda – BRI), mas disse com outras palavras

Em 20 de novembro, no dia seguinte ao término do G20, o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, veio ao Brasil se encontrar com o presidente Lula, esse foi o mais importante e aguardado encontro bilateral já realizado entre o Brasil e a China. O interesse nas decisões que seriam tomadas ultrapassou o interesse de ambos países. Há semanas analistas das principais Think Tanks integrantes do Estado de Defesa dos EUA (Atlantic Concil, The Heritage Foundation, CNAS entre outras) questionam se o Brasil declarará a adesão na Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), e afirmam que uma possível adesão do Brasil, põe em risco a segurança nacional dos Estados Unidos.

Como noticiamos anteriormente (15/07), na prática, o Brasil já aderiu extraoficialmente ao BRI, quando iniciou a construção da Rota de Integração Sul-Americana. Uma enorme conexão latitudinal e longitudinal de rodovias, ferrovias e futuras hidrovias que integrarão todo o Brasil do Oiapoque ao Chuí, até o porto peruano de Chancay no Pacífico. Dando assim ao Brasil acesso a todos os gigantescos mercados sul-asiáticos (Indonésia, Bangladesh, Filipinas etc) além da China, como a Índia. Compreenda os detalhes da muito pouco noticiada integração brasileira e sua integração aos países vizinhos que já acontece: Brasil entra nas Novas Rotas da Seda (BRI) à brasileira.

A real questão era se mesmo que o Brasil não se comprometesse oficialmente, ao não declarar sua participação na (BRI), a China colaboraria e financiaria as infraestruturas, parcerias, transferência de tecnologia etc. A polêmica aumentou quando Celso Amorim declarou para a imprensa nacional que o governo brasileiro não aderiria ao BRI e que o Brasil negociaria “sinergias” de negócios entre Brasil e China.

“A palavra-chave é sinergia. Não é assinar embaixo, como uma apólice de seguro. Não estamos entrando em um tratado de adesão. É uma negociação de sinergias” – disse Amorim ao Globo (28/10).    

Ao contrário da comemoração e afirmação de 90% da imprensa corporativa brasileira, que o Brasil não entrou na BRI, pois após o encontro bilateral não declarou oficialmente sua adesão ao BRI – o que já aconteceu na prática. Entretanto, Brasília declarou sua adesão oficialmente, sim. Apenas trocou a palavra adesão por sinergias, cuja troca a China aceitou e assinou a Declaração de Cooperação. Nessa costura de troca de palavras que a diplomacia brasileira finalmente fez jus a sua reputação de ser uma das melhores do mundo.

Na semana passada (14/11), já havíamos antecipado que os chineses não se importam muito com palavras, mas com a práxis, quando noticiamos como a mídia interna chinesa, escrita para o público chinês e falantes de mandarim, tratava da questão Brasil e destacava aos chineses as pressões belicosas dos EUA sobre o Brasil. Também destacamos os comentários do público chinês entre eles o seguinte:

“Não creio que nós [chineses] e o Brasil busquemos necessariamente o mesmo nome de Iniciativa do Cinturão e Rota. Desde que os dois lados tenham uma cooperação real e tenham a realidade [de fato] a Iniciativa do Cinturão e Rota, tudo ficará bem. Para não envergonhar o Brasil”, disse guan_16308894401453.

O Encontro bilateral Brasil-China

Neste encontro do dia 20, Lula e Xi Jinping assinaram uma declaração conjunta subindo o status das relações entre Brasil e China de Parceria Estratégica global para Cooperação de Futuro Compartilhado. [Leia as designações usadas pela diplomacia chinesa, seus significados e diferenças aqui: Entenda as parcerias e cooperações pela diplomacia chinesa]. A declaração também contém 37 novos acordos de cooperação abrangendo a agricultura, comércio, investimento, infraestrutura, indústria, energia e outros campos.

Consta nas declarações de ambos os países que a cooperação sino-brasileira estará alinhada com o novo plano industrial do Brasil, plano de crescimento acelerado (PAC), plano de transformação ecológica, Rota de Integração Sul-americana e outras estratégias de desenvolvimento. Para garantir que as cooperações assinadas sejam implementadas rapidamente, haverá a criação de um grupo de trabalho conjunto sobre Cooperação Financeira e outro sobre Produção e Desenvolvimento Sustentável, estipulado o prazo de criação dos grupos em até 2 meses.

O Presidente Lula afirmou que: “Estamos determinados a construir uma base sólida para os próximos 50 anos em infraestrutura sustentável e lançando as bases para a cooperação em áreas como a economia digital, saúde e aeroespacial, transição energética e inteligência artificial”, disse Lula à imprensa.

Além disso, a China e o Brasil concordaram em continuar o diálogo entre o Mercosul e a China para discutir o aprofundamento da cooperação e investimentos na América do Sul. O Brasil também assinou um memorando de cooperação com empresas chinesas para fornecer serviços de comunicação via satélite para substituir os satélites Starlink de Elon Musk.

Analistas chineses acreditam que o fortalecimento nas relações entre os dois países poderá trazer enormes benefícios a ambos. O presidente recém eleito dos EUA, Trump, afirmou que fará uma guerra comercial, através de sanções comerciais e políticas protecionistas. Com isso, o Brasil poderá obter maiores benefícios comerciais com a expansão da cooperação China-Brasil. Abaixo a Declaração de Cooperação Conjunta na íntegra com todas as áreas e setores beneficiados:

Declaração Conjunta entre os dois países:

1) Declaração Conjunta entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China sobre a Formação Conjunta da Comunidade de Futuro Compartilhado China-Brasil por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável;

Documentos de cooperação assinados e acordados por ambas as partes:

2) Plano de Cooperação do Governo da República Federativa do Brasil e do Governo da República Popular da China para o estabelecimento de sinergias entre o Programa de Aceleração do Crescimento, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-americana, e a Iniciativa Cinturão e Rota;

3) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento da Cooperação para o Desenvolvimento Internacional entre a Agência Brasileira de Cooperação da República Federativa do Brasil e a Agência de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional da República Popular da China;

4) Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Bioeconomia entre o Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;

5) Contrato de Captação entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o China Development Bank (CDB);

6) Protocolo de Requisitos Fitossanitários para Exportação de Uvas Frescas de Mesa do Brasil para a China entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China;

7) Protocolo sobre os Requisitos de Inspeção e Quarentena para a Exportação de Gergelim do Brasil para a China entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China;

8) Protocolo entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China para a Importação de Farinha de Peixe, Óleo de Peixe e outras Proteínas e Gorduras derivadas de Pescado para Alimentação Animal do Brasil para a China;

9) Protocolo entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China sobre Requisitos Fitossanitários para a Exportação de Sorgo do Brasil para a China;

10) Carta de Intenções entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Estatal de Regulação de Mercados (SAMR) da República Popular da China para promover a cooperação técnica, científica e comercial no setor agrícola;

11) Memorando de Entendimento para o Intercâmbio e a Colaboração sobre Tecnologia e Regulação de Pesticidas entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da República Popular da China;

12) Мemorando de Entendimento entre o Ministério das Cidades da República Federativa do Brasil e o Ministério da Habitação e do Desenvolvimento Urbano-Rural da República Popular da China para o Fortalecimento da Cooperação na Área de Desenvolvimento Urbano;

13) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da República Popular da China sobre Cooperação na Indústria Fotovoltaica;

14) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e a Autoridade de Energia Atômica da China sobre Cooperação Estratégica em Aplicações de Tecnologia Nuclear;

15) Memorando de Entendimento sobre o Programa Sino-Brasileiro de Fonte de Luz Síncrotron entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;

16) Memorando de Entendimento para o Aprimoramento da Cooperação no Desenvolvimento de Capacidades em Inteligência Artificial entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;

17) Memorando de Entendimento sobre o Estabelecimento do Laboratório Conjunto em Mecanização e Inteligência Artificial para Agricultura Familiar entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;

18) Memorando de Entendimento entre Telecomunicações Brasileiras S.A. Telebras, Empresa Vinculada ao Ministério das Comunicações do Brasil (“Telebras”) e a Shanghai Spacesail Technologies Co., Ltd., Empresa Chinesa Cujo Objetivo Social é o Provimento de Serviços e Soluções de Telecomunicações via Satélite (“Spacesail”);

19) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento da Cooperação na Economia Digital entre o Ministério das Comunicações da República Federativa do Brasil e a Administração Nacional de Dados da República Popular da China;

20) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o China Media Group sobre Cooperação Audiovisual;

21) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o China Film Archive;

22) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e a China Film Administration;

23) Carta de Intenções sobre a Promoção da Cooperação de Investimento para Desenvolvimento Sustentável entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e o Ministério do Comércio da República Popular da China;

24) Plano de Ação para Promoção do Investimento Industrial e Cooperação 2024-2025 entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;

25) Memorando de Entendimento para Promoção da Cooperação Econômica e Comercial sobre Micro, Pequenas e Médias Empresas entre o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e o Ministério do Comércio da República Popular da China;

26) Memorando de Entendimento sobre Cooperação Esportiva entre o Ministério do Esporte da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Esporte da República Popular da China;

27) Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Transformação Ecológica e Desenvolvimento Verde entre o Ministério da Fazenda da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;

28) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento do Intercâmbio e da Cooperação sobre Reforma e Desenvolvimento de Empresas Estatais e Governança Corporativa entre a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais da República Federativa do Brasil e a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais do Conselho de Estado da República Popular da China;

29) Memorando de Entendimento entre o Ministério de Minas e Energia da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China sobre Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Mineração;

30) Plano de Ação entre o Ministério da Saúde da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional da Saúde da República Popular da China na área de Saúde para os anos 2024-2026;

31) Memorando de Entendimento entre o Ministério do Turismo da República Federativa do Brasil e o Ministério da Cultura e Turismo da República Popular da China para Fortalecer a Cooperação em Turismo;

32) Memorando de Entendimento entre o Ministério do Planejamento e Orçamento da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China para o Fortalecimento de Intercâmbio e Cooperação no âmbito do Desenvolvimento Econômico;

33) Memorando de Entendimento entre a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República Federativa do Brasil e o Grupo de Mídia da China;

34) Acordo de Cooperação Técnica entre a Empresa Brasil de Comunicação S.A. – EBC – e China Media Group – CMG;

35) Memorando de Entendimento entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Tsinghua sobre o Programa de Resposta da Juventude Latino-Americana e Chinesa a Desafios Globais;

36) Memorando de Entendimento entre o Grupo de Mídia da China – CMG e a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA; e

37) Acordo de Cooperação entre a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e a Administração Estatal para Regulação do Mercado (Administração Nacional de Normalização) da República Popular da China (SAMR/SAC).

Marcus Atalla – Graduação em Imagem e Som – UFSCAR, graduação em Direito – USF. Especialização em Jornalismo – FDA, especialização em Jornalismo Investigativo – FMU

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Last Update: 26/11/2024