As Descompromissadas

por Manfred Back

“A inteligência é entender antes de afirmar”. (Jean Luc Godard)

Reza a Constituição Federal 1988:

Art. 164. A competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo banco central.

§ 1º É vedado ao banco central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a
qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira.

§ 2º O banco central poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros.

Arriscamos a pele na ousadia de cuidar das operações compromissadas, transações interbancárias amparadas em títulos públicos. Nessas transações financeiras o Banco Central do Brasil se compromete a comprar ou vender títulos públicos federais, com o propósito de controlar as reservas bancárias e, assim, manter a taxa Selic no patamar fixado pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

Se há excesso de reservas bancárias – em bom português excesso de dinheiro nas tesourarias bancárias, a pletora de monetária pode induzir uma redução das taxas de juros de mercado e, portanto, o custo do crédito, comprometendo a execução da política monetária. A autoridade monetária vale-se das operações compromissadas para retirar essa moeda dos bancos, mediante a utilização de títulos públicos
federais. Esses títulos já estão abrigados na carteira do Banco Central e não correspondem à criação de dívida nova. Com garantia de recompra no prazo combinado, os títulos saem e retornam à carteira do Banco Central. Títulos Boomerang. Uma operação altamente lucrativa para o setor bancário com risco zero, garantida pelo Banco Central do Brasil.

Dados do Banco Central do Brasil, mostram que em 2023, o valor diário médio das operações compromissadas de um dia (overnight), atingiram cerca de 3 trilhões de reais. Essas operações têm o compromisso de recompra pela autoridade monetária no prazo de um dia, lastreada em títulos públicos
federais.

O GGN vai produzir um novo documentário sobre os crimes impunes da Operação Lava Jato. Clique aqui e saiba como apoiar o projeto!

É necessário observar que a autoridade monetária tem total liberdade de fixar o prazo do compromisso de recompra. Não pode ser discriminada como dívida pública, e muito menos, como financiamento do estado via Tesouro Nacional. Então por que é contabilizado como passivo, dívida pública? Se não é instrumento de política fiscal.

O artigo 164 da constituição federal foi promulgado em 1988, sim pasmem no final da década de oitenta! Oras bolas o mundo mudou, a economia mudou, mas em matéria de política monetária e seus instrumentos paramos no tempo! Procurando o elo perdido…

“A divisão pré-crise das funções macroeconômicas – política monetária e política fiscal – é uma ficção que não podemos mais sustentar. Consideremos o mercado monetário: para bancos europeus e investidores
institucionais, o mercado de repos (as ditas compromissadas no jargão brasileiro) é de 7 trilhões de euros. Dois em cada três euros emprestados no mercado repos usam títulos soberanos emitidos por integrantes da Zona do Euro (Alemanha e Itália os maiores) como garantia. A criação de crédito privado – o pão e a manteiga das operações do BCE – depende fundamentalmente de títulos soberanos, e assim da política fiscal.” (Daniela Gabor)

“A dificuldade real não reside nas novas ideias, mas em conseguir escapar das antigas.”(Keynes)

As melhores práticas internacionais de instrumento de política monetária como uso de depósitos voluntários e a possibilidade de a autoridade monetária atuar na curva de juros de curto prazo.

A lei de 15 de julho de 2021 autoriza ao Banco Central do Brasil a receber depósitos voluntários de instituições financeiras. Assim como as operações compromissadas, tem o objetivo de controlar as reservas bancárias, porém, como uma diferença essencial, cabe apenas remuneração de juros por esses depósitos, sem a necessidade comprar e vender títulos públicos federais. O banco Central define uma taxa de remuneração, e as instituições financeiras podem depositar voluntariamente o excesso de oferta de moeda num prazo determinado. Sem envolver títulos do Tesouro Nacional. O valor diário médio de depósitos voluntários em 2023, segundo o Bacen foi de 83,5 bilhões de reais.

O elo perdido da modernidade, será que um dia chega, nas terras onde cantam os sábias? Mais do que na hora de acabar com as descompromissadas! Descompromisso com as melhores práticas de política monetária, sair de 1988 e chegar ao século 21!

Um projeto de emenda constitucional ao artigo 164, propondo o fim das operações compromissadas, a distinção para compra e venda de títulos públicos federais para uso no mercado aberto, e definindo apenas os depósitos voluntários como instrumento de controle das reservas bancárias. E o bolo da cereja, a separação legal entre financiamento do banco central aos Tesouro Nacional e a compra e venda títulos públicos que permita a autoridade monetária a aturar na curva de juros, como a grande maioria dos bancos centrais no mundo! É de urgência nacional!

“Para um cabalista, nós vivemos na escuridão, incapazes de ver a maior realidade, mesmo ela estando aí. Ignorando a outra, tomamos essa visão do mundo como a única possível realidade”. (Michael Laitman)

Manfred Back – Economista PUC-SP, mestrado FGV-SP. Ex-Trader (BOVESPA), ex-gestor de carteira e fundo de ações. Professor de economia e mercado de capitais.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 11/02/2025