A Alemanha enfrenta uma nova fase de incerteza política após as eleições parlamentares antecipadas do último domingo (23). Com a União Democrata-Cristã (CDU) vencendo sem maioria absoluta e a extrema direita consolidada como a segunda maior força, a formação do próximo governo se tornou um dos principais desafios do país.

As negociações para a composição da coalizão devem se estender pelas próximas semanas, enquanto diferentes blocos políticos tentam viabilizar um gabinete estável.

O líder da CDU, Friedrich Merz, apontado como o novo chanceler, precisa garantir o apoio de outras siglas para formar governo. As opções incluem uma aliança com os Verdes ou uma grande coalizão com o Partido Social-Democrata (SPD), de Olaf Scholz.

No entanto, a resistência interna dentro das legendas e as divergências programáticas dificultam um acordo.

A possibilidade de uma coalizão “Alemanha” (CDU, pretos; SPD, vermelhos; e FDP, amarelos) também foi ventilada, mas enfrenta resistência dos sociais-democratas. A chance é mínima, uma vez que Partido Liberal Democrático (FDP) não atingiu a cláusula de barreira, quando a sigla não consegue 5% dos votos.

Os liberais foram os pivôs da crise política na Alemanha que antecedeu as eleições para fevereiro, antes programada para novembro. O FDP discordou com a proposta de Scholz de incluir ao Orçamento mais investimentos públicos para acelerar a economia capenga.

A ascensão da Alternativa para a Alemanha (AfD), que obteve um crescimento expressivo, adiciona um fator de instabilidade. Embora os demais partidos descartem alianças formais com a extrema direita, a CDU votou em janeiro em conjunto com a legenda ultranacionalista em questões de imigração, o que gerou críticas e uma onda de protestos em várias cidades alemãs.

O papel da extrema direita e a erosão do cordão sanitário
Com cerca de 21% do eleitorado, a AfD se fortaleceu no parlamento e consolidou influência política, mesmo sem integrar o governo. O partido tem pressionado por pautas anti-imigração e um endurecimento das políticas de segurança, contando com o apoio de setores da CDU.

Alguns membros da CDU, especialmente no leste da Alemanha, onde a AfD tem uma base forte de apoio, defenderam mais abertamente o diálogo com a AfD.

A ideia destes setores era tentar encontrar um “equilíbrio pragmático”, considerando que a AfD, apesar de ser vista como uma força política antidemocrática, tem grande apoio em certas regiões e questões específicas, como imigração.

Esses parlamentares apontaram que ignorar ou demonizar a AfD poderia alienar eleitores da CDU, especialmente no contexto de um eleitorado que se sente desiludido com os partidos tradicionais.

Um exemplo disso ocorreu em 2024, quando membros da CDU, como o parlamentar local Thorsten Frei, membro da CDU em Baden-Württemberg, o terceiro estado mais populoso da Alemanha, expressaram publicamente que era importante ouvir as preocupações dos eleitores que apoiam a AfD e até mesmo considerar as suas demandas, sem necessariamente ceder em questões fundamentais da democracia.

Frei sugeriu que a CDU deveria se afastar de um “cordão sanitário” rígido e estar disposta a lidar com os desafios apresentados pela AfD, especialmente em termos de políticas migratórias e sociais.

Esse alinhamento tem gerado reações contrárias dentro da própria CDU, com políticos alertando para o risco de normalizar a extrema direita dentro das instituições.

O embate sobre organizações da sociedade civil
A União (CDU/CSU) apresentou uma consulta ao governo federal questionando o financiamento e a neutralidade política de 18 ONGs, incluindo Greenpeace (organização ambiental), Correctiv (jornalismo investigativo) e Avós Contra a Extrema Direita (organização política).

O documento, com 551 perguntas, levanta temores de perseguição à sociedade civil, especialmente após protestos contra a aproximação da CDU com a extrema direita.

A iniciativa ecoa estratégias usadas por governos de direita em países como Hungria e Brasil, e reacende a disputa sobre a Lei de Promoção da Democracia, barrada pela CDU no último governo. Partidos progressistas e organizações acusam Merz de adotar táticas da AfD para silenciar críticas e minar a atuação de grupos antifascistas e ambientais.

A consulta gera tensões na formação do governo, com o SPD classificando-a como “jogo sujo” e alertando para riscos nas negociações com a CDU. ONGs reagem afirmando que a ação é intimidadora e que o partido reproduz narrativas da extrema direita global.

Crise econômica e desafios para a governabilidade
O novo governo alemão enfrentará um cenário econômico adverso. A maior economia da Europa entrou em recessão pelo segundo ano consecutivo, com o PIB encolhendo 0,2% em 2024. O alto custo da energia, a perda de competitividade industrial e a estagnação do consumo interno são alguns dos fatores que agravam o quadro econômico do país.

A crise econômica já teve impacto direto na política, contribuindo para a queda da coalizão de Scholz e impulsionando o crescimento da extrema direita. A insatisfação com o governo se intensificou diante da falta de medidas eficazes para conter a inflação e a desaceleração industrial, especialmente em setores que dependiam de energia barata antes da guerra na Ucrânia.

O orçamento alemão para 2025 também será um dos principais desafios da próxima coalizão. Enquanto a CDU defende cortes de impostos e redução de gastos públicos, o SPD e os Verdes argumentam que é preciso investir em infraestrutura e reindustrialização para reverter o declínio econômico.

A pressão internacional também é um fator de instabilidade. O segundo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos impôs desafios comerciais à Alemanha, com a ameaça de tarifas sobre produtos europeus, especialmente no setor automotivo. Além disso, a crescente tensão entre Berlim e Moscou, agravada pelo apoio alemão à Ucrânia, mantém a economia do país sob pressão.

Perspectivas para os próximos meses
O caminho para um novo governo na Alemanha permanece incerto. As negociações entre os partidos definirão não apenas a composição da nova coalizão, mas também a orientação política do país nos próximos anos.

A pressão social contra a extrema direita e os desafios econômicos devem influenciar diretamente o futuro governo, que terá que lidar com um parlamento fragmentado e uma oposição fortalecida.
Independentemente da configuração final, o novo gabinete enfrentará o desafio de equilibrar crescimento econômico, estabilidade política e a manutenção do compromisso democrático diante da crescente radicalização do debate público na Alemanha.

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Last Update: 27/02/2025