O único regime de esquerda na América do Sul – e um dos três únicos de toda a América Latina – está sob uma grave ameaça golpista. A Venezuela de João Maduro, líder sindical que ajudou Hugo Chávez a realizar uma profunda transformação social no país, está sendo atacada por todas as frentes.
De dentro do próprio país, os chamados “militantes”, que nada mais são que milícias fascistas comandadas pela direita venezuelana, procuram instaurar o caos, agredindo pessoas nas ruas e vandalizando estabelecimentos. A pouco mais de três mil quilômetros dali, a Casa Branca, sede de todas as conspirações reacionárias do planeta, acusa o governo de ter fraudado as eleições. Em toda a América do Sul, um único país reconhece Maduro como o vencedor da mais recente eleição presidencial. Outros sete se somam à gritaria de Washington e acusam-no de ser um “ditador”. A pressão é tanta que Colômbia e Brasil, governados por presidentes de esquerda, não reconheceram, até agora, os resultados anunciados em 29 de julho.
Não há dúvida de que o povo venezuelano seja um povo combativo, guerreiro, decidido. A própria vitória de Maduro já é resultado de um enfrentamento das massas com as sucessivas tentativas do imperialismo de emplacar uma candidatura que represente os seus planos de pilhagem total do país caribenho. No entanto, o movimento coordenado que visa derrubar o presidente João Maduro dificilmente será vitorioso sozinho. A Venezuela está cercada por governos inimigos, como o de Javier Milei, e de falsos amigos, como Gabriel Boric, e conta ainda com uma série de problemas econômicos resultantes das criminosas sanções comerciais.
Diante deste cenário, a esquerda latino-americana tem um papel fundamental. Mais especificamente, a esquerda do mais importante país de toda a América Latina: o Brasil, que detém a maior classe operária de toda a região. A mobilização no Brasil, pela importância do país, não apenas daria forças ao governo brasileiro para enfrentar as ameaças golpistas contra o país vizinho, como também incentivaria os povos vizinhos a se rebelarem contra seus governos lambe-botas do imperialismo. Uma rápida pesquisa, no entanto, mostrará que a esquerda não está à altura dessa tarefa.
Ao se criticar a esquerda, o primeiro que deveria ser criticado é o próprio governo Lula. Embora não tenha acusado Maduro de fraudar as eleições, o governo, até agora, não reconheceu o resultado eleitoral, deixando o caminho livre para que delinquentes políticos como Javier Milei contestem a vitória do Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV). O governo brasileiro, assim, rompe com a sua própria tradição, uma vez que o Brasil, corretamente, não costumava interferir no processo eleitoral de outros países. Quando ocorreram as eleições norte-americanas de 2020, por exemplo, nem o governo brasileiro, nem o partido do presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores (PT), exigiram qualquer prova de idoneidade do sistema eleitoral dos Estados Unidos. Mesmo que as eleições daquele ano tivessem sido contestadas pelo candidato derrotado, o republicano Donald Trump.
A posição do governo brasileiro também é bastante negativa porque ignora por completo o golpe de Estado em marcha neste momento. Lula, uma liderança do movimento operário, forjada na luta contra a ditadura militar, assiste calado aos atos de barbárie praticados pelos militantes.
A posição do governo tem a sua importância porque influencia na posição do conjunto da esquerda nacional. No entanto, ela não é, nem de longe, a posição mais pró-imperialista.
Essa medalha terá de ser entregue ao grupo que está, a todo momento, a reboque dos interesses dos grandes monopólios internacionais. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que apoiou o golpe de Estado de 2016, publicou em seu portal, o Opinião Socialista, um texto com a seguinte manchete: Não à fraude eleitoral! Abaixo a ditadura de Maduro, todo apoio às mobilizações. Por “mobilizações”, leia-se “guarimbas”, uma vez que essas são as únicas “mobilizações” que há neste momento contra o governo venezuelano.
Apresentando a mesma posição, o Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), que, neste ano, lançará candidatos pelo PSTU, publicou o artigo intitulado Não à fraude eleitoral! Abaixo a ditadura de Maduro, todo apoio às mobilizações, no qual a ação dos bandos fascistas armados é descrita apenas como “protestos”. O MRT ainda critica a repressão do governo venezuelano, indicando que Maduro deveria deixar as guarimbas tomarem conta do país – afinal, isso é o que aconteceria caso não fossem reprimidas.
O grupo Organização Comunista Internacionalista (OCI), ainda que não declarasse tão abertamente seu apoio ao golpe, merece uma medalha especial pelo seu cinismo. “Aconteça o que acontecer, é decisivo impulsionar fortemente a necessidade da organização independente da classe trabalhadora por seus próprios interesses. Governe quem governe, defendem-se os interesses da classe”. Ou seja, para a OCI, se o atual governo for derrubado por um golpe de Estado, não fará diferença, pois o que importa é a “organização independente da classe trabalhadora”. Como se as condições para a classe trabalhadora se organizar fossem as mesmas sob um governo nacionalista ou sob um governo da extrema direita fascista tutelada pelo imperialismo norte-americano.
O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) também conseguiu apresentar uma peripécia própria. A organização recém-fundada, evitando dar palpite na luta de classes no país ao lado, decidiu reproduzir um artigo do Partido Comunista da Venezuela (PCV). O texto, por sua vez, é uma espécie de repetição piorada do que diz a OCI: não importa quem sairá vitorioso, se o imperialismo ou o povo venezuelano. O PCV, contudo, procura deixar ainda mais claro que o grande vilão da história é o governo Maduro, dando a entender que qualquer meio seria válido para derrubá-lo, até mesmo uma aliança com o imperialismo.
O PT, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e a Unidade Popular pelo Socialismo (UP), ao menos, reconheceram a vitória de Maduro. No entanto, a todos faltou o fundamental: denunciar energicamente o golpe em curso. À exceção do Partido da Causa Operária (PCO), que já vinha denunciando o golpe de Estado antes mesmo das eleições acontecerem e que permanece convocando os povos latino-americanos a repudiarem a operação do imperialismo, esses partidos estão tão acuados pela pressão norte-americana que não foram capazes de denunciar aos quatro ventos a conspiração contra o governo de João Maduro.