“Imagine como a física seria mais difícil se os elétrons tivessem sentimentos”, dizia Richard Feynman, o famoso físico americano. Pois é, um dos principais problemas para entender a política é justamente o fato dela carregar tanta emoção. Impossível compreender como homens e sociedades se organizam sem considerar o amor e o ódio.
Curiosamente, as relações políticas e o processo de decisão eleitoral estão cada vez mais baseados em afetos. A batalha ideológica tem vivido uma dimensão mais subjetiva que real. Este é o lado negativo da polarização, ancorada mais em afeto que em propostas. A questão ideológica parece se desligar da realidade concreta das diferenças em planos econômicos.
Para analisar o Brasil, precisamos levar isso em conta. Por mais que as emoções influenciem a dinâmica política de um país como o nosso, elas se desenvolvem no mundo real. Por isso, os dados econômicos são fundamentais para compreender a dinâmica política brasileira.
À medida que surgem as primeiras análises para 2026, arriscamos uma especulação sobre o Plano B, ou seja, a possibilidade de não ser Lula o candidato à presidência da República, mas sim Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda. O que esperar?
Inflação em queda
O trunfo de Haddad é, naturalmente, a economia, pela função que exerce. A inflação de maio ficou em 0,36%, um dos menores índices dos últimos meses e o menor para maio desde 2021.
O indicador que usamos é o IPCA-15, considerado prévia da inflação. Ele é quase tão preciso quanto o IPCA normal, que deve ser divulgado em uma ou duas semanas. A inflação em 12 meses caiu para 5,40%, abaixo dos 5,49% registrados em abril. Ainda está acima da meta, mas mostra uma tendência de queda consistente. No acumulado de 3 meses, a inflação ficou em 1,4% em maio, bem menor que nos meses anteriores, confirmando essa trajetória de desaceleração.
Se o IPCA normal confirmar esse movimento do IPCA-15, isso pode convencer o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e sua diretoria a finalmente começarem a reduzir os juros, abrindo espaço para o crescimento mais robusto do Brasil em 2026.
A inflação de alimentos, que muitos apontam como um dos principais motivos da queda de aprovação de Lula, também caiu drasticamente. É a menor desde janeiro, ficando em 0,39% em maio, comparada a 1,14% em abril. Uma boa notícia, sobretudo porque pode apontar para uma queda dos juros.

Um artigo publicado hoje na Folha de São Paulo, por João Hallak Neto e Marília Bassetti Marcato, reforça esse aspecto do governo Lula. Embora a inflação de alimentos tenha subido muito em 2024 (8%), ficando acima da média da inflação geral, ela ficou abaixo do crescimento da renda das famílias (10%). Ou seja, o poder de compra da classe trabalhadora cresceu em 2024, inclusive em relação aos alimentos. Quando se olha apenas para as famílias mais pobres, o crescimento da renda foi impressionante: 19%.
O impacto social dessas ações do governo é profundo. O número de brasileiros em situação de fome caiu 85% em um único ano, recuando de 17,2 milhões em 2023 para 2,5 milhões de pessoas em 2024, segundo o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado de Insegurança Alimentar no Mundo (Sofi 2024).
Balanço de pagamentos e déficit
O balanço de pagamentos (conta corrente) do Brasil também tem melhorado. Este indicador, que mede todas as transações financeiras entre um país e o resto do mundo, mostra que o Brasil não está entre os melhores, mas também não está entre os piores. Em percentual do PIB, o déficit em conta corrente acumulado em 12 meses até abril de 2025 corresponde a 2,55% do PIB.
Alguns países têm situação pior, como os Estados Unidos com déficit em conta corrente de 3,90% do PIB. A Turquia também enfrenta dificuldades, com déficit em conta corrente de 3,50% do PIB. Por outro lado, a Espanha apresenta um superávit em conta corrente de 3,00% do PIB. A Rússia também está em situação confortável, com superávit em conta corrente de 2,90% do PIB. A China mantém um superávit em conta corrente de 2,20% do PIB, enquanto o México registra um déficit em conta corrente de apenas 0,80% do PIB.
Na evolução dos últimos meses, a gestão de Haddad tem conseguido melhorias consistentes. O Brasil registrou um déficit em conta corrente equivalente a 0,21% do PIB em abril de 2025. Em março de 2025, o déficit foi de 0,34% do PIB. No mesmo mês de 2024, o déficit chegou a 0,63% do PIB, mostrando uma tendência consistente de melhora.
O déficit primário, que representa a diferença entre receitas e despesas do governo antes do pagamento dos juros da dívida, também apresenta tendência de queda. Segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o Brasil deve encerrar 2025 com um déficit primário de R$ 64,2 bilhões, o equivalente a 0,51% do PIB. Isso representa uma redução significativa em relação ao 1,3% registrado no ano anterior. Esta projeção indica que o país caminha para o equilíbrio fiscal, mesmo em um cenário de expansão dos investimentos públicos.
O que realmente preocupa, no entanto, é o déficit nominal. Este indicador inclui o pagamento dos juros da dívida pública. É por causa dele que é tão perigoso manter os juros altos no Brasil. No acumulado em 12 meses até abril de 2025, o déficit nominal do Brasil alcançou 7,92% do PIB, segundo dados do Banco Central. Nesse quesito, o Brasil realmente precisa melhorar, pois está entre os países com maior déficit nominal do mundo. De acordo com projeções do BTG Pactual, o déficit nominal brasileiro deve atingir 8,6% do PIB em 2025. Apenas a Bolívia apresenta situação pior, com déficit de 10% do PIB. A Índia e a China apresentam déficit nominal de 7,6% do PIB, enquanto a média dos países emergentes está em torno de 5%.
O país atingiu em 2024 a menor taxa média de desemprego já registrada no histórico do IBGE, de 6,6%, enquanto a renda média mensal do brasileiro igualmente bateu recorde, chegando a R$ 3.057. A combinação entre fortalecimento da renda do trabalho, reestruturação de programas sociais e retomada da política de valorização do salário mínimo explica a trajetória positiva do consumo e o declínio da fome e da miséria no país nesses dois anos de governo, nessa primeira metade do governo Lula 3.
Projetos estruturantes
Se os indicadores macroeconômicos do governo Lula são bons, ele ainda precisa melhorar a visibilidade dos programas estruturantes para o país. O governo federal deveria dar mais destaque às iniciativas de infraestrutura em andamento e conectá-las com uma mensagem centralizada e coerente.
Insisto que seria o check mate de Lula encampar um projeto nacional ferroviário no país. Se o governo investisse em mobilidade urbana, sobretudo transporte sob trilhos, deixaria um legado histórico. “Lula inaugurou a era dos trens modernos no Brasil” seria o grande marco de seu governo. O presidente precisa de uma marca, e essa marca poderia ser justamente a revolução ferroviária.
Felizmente, existem em alguns estados projetos relevantes em desenvolvimento. Um exemplo é o VLT de Salvador, que promete revolucionar a mobilidade urbana de uma das principais cidades do país. Porém, o governo federal precisa se envolver mais com a questão do transporte de passageiros, área que também impacta diretamente a segurança pública.
Seria valioso que Haddad fosse percebido pela população como alguém engajado em projetos de desenvolvimento, geração de emprego e infraestrutura. Sua imagem não deve ficar marcada apenas como “homem do cofre”, o que limitaria seu potencial eleitoral. A conexão com o projeto nacional de Lula, com o desenvolvimento e recuperação do país, torna-se essencial para sua trajetória política.
Plano B e Plano C
Existe também um Plano C, que poderia ter como candidato o vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin. Mas Haddad parece ter mais chances de ser esse Plano B, porque foi candidato à presidência da República, é respeitado por setores sociais diversos e tem uma base partidária muito mais sólida que Alckmin.
Críticas da esquerda e da direita
Existe um setor à esquerda que faz críticas duras ao governo, especialmente em relação à condução da política econômica. Essas vozes apontam para uma suposta rendição do governo ao mercado financeiro, com medidas de ajuste fiscal que, em sua avaliação, privilegiam os interesses do setor financeiro em detrimento de políticas sociais e de desenvolvimento estrutural. Gilberto Maringoni, professor e analista político, sintetiza essa visão ao afirmar: “Reafirmam-se dogmas de austeridade. Aceita-se um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia que pode impactar ainda mais a indústria brasileira, as turbulências abrem oportunidades para a venda de soja para a China, o ministro da Fazenda vai aos EUA negociar favores para que as big techs instalem data centers no Brasil e ampliam-se políticas de concessões para campos de petróleo e empresas de energia, entre outras medidas”.
Essa crítica é endossada por outros economistas e intelectuais alinhados ao campo progressista, que argumentam que o governo, ao priorizar o equilíbrio fiscal e a negociação com o mercado financeiro, acaba adotando uma agenda econômica que beneficia poucos e limita a capacidade do Estado de promover transformações sociais profundas. Estes segmentos têm uma influência localizada, porém relevante em alguns ambientes sindicais, em determinadas bolhas das redes sociais e em grupos de WhatsApp que exercem influência no campo progressista.
Na contramão dessas críticas da esquerda sobre concessões neoliberais, a direita faz uma avaliação diametralmente oposta, acusando o governo de gastar excessivamente e comprometer o equilíbrio fiscal do país. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em janeiro de 2025, durante um encontro com secretários municipais de saúde no Palácio dos Bandeirantes, expressou essa visão de forma contundente: “O desafio fiscal é gigantesco. Estou prevendo um ano difícil. Brasil não está indo bem. Está gastando muito. Está gastando o que não devia gastar. Vai ter reflexo em termos de inflação. Vai ter reflexo em política de juros. E o que a gente vai ver? A economia vai desacelerar”.
Haddad recebe críticas da esquerda por fazer concessões demais ao mercado financeiro, ao mesmo tempo em que recebe críticas contrárias da direita, de que estaria cedendo demais ao populismo social do presidente Lula. Esse é justamente o preço de ser ministro da Fazenda. Ele acaba sendo criticado de ambos os lados.
Um dos trunfos de Haddad, caso seja escolhido como candidato à presidência da República por Lula, é que ele é visto como moderado e tem boa relação com setores econômicos e políticos com os quais a esquerda muitas vezes tem dificuldade. Enquanto Lula consegue conversar com esses setores pelo seu carisma pessoal, Haddad consegue dialogar com eles pelo respeito que inspira por sua seriedade.
A direita está procurando formar sua própria frente ampla para 2026. Com Bolsonaro fora do páreo, devido à inelegibilidade decretada pelo TSE após sua condenação, os partidos conservadores buscarão um candidato capaz de articular com o centro político. Como em quase todas as eleições nacionais, a batalha pelo centro será decisiva para a vitória eleitoral em 2026, sobretudo no segundo turno. O candidato que reunir mais apoio ao centro ganhará as eleições.
Neste momento de incertezas políticas, não temos fórmulas prontas para enfrentar a emergência do fascismo, da extrema direita e do golpismo no Brasil. Vivemos um período de muitas dúvidas e estamos ainda discutindo as melhores soluções para fortalecer nossa democracia. Como diria Richard Feynman: “A democracia foi resultado do fato de que a ciência já estava se mostrando um empreendimento bem-sucedido no final do século XVIII. Já estava claro para as pessoas, mesmo naquela época, que a dúvida e a discussão eram essenciais para o progresso.” Talvez seja justamente nesse espaço de dúvida e discussão que encontraremos os caminhos para o fortalecimento da nossa democracia e para a construção de um projeto nacional verdadeiramente inclusivo e eficaz.