A moeda brasileira tem enfrentado um intenso processo de desvalorização em 2024. A perda de valor acumula 18%. A imprensa destacou fatores domésticos como explicação do movimento, em particular as críticas do Presidente Lula às ações e declarações do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Como sempre, a história é mais complexa. Há fatores globais, regionais e nacionais por detrás deste movimento.

 

No flanco externo, temos o sistema global do dólar.Mudanças nas expectativas de crescimento global, na taxa de juros dos EUA e nos preços das commodities podem afetar significativamente o fluxo de capital para mercados emergentes. As políticas monetárias expansionistas nos Estados Unidos, caracterizadas por baixas taxas de juros e flexibilização quantitativa, geram um influxo maciço de capital especulativo para mercados emergentes como a América Latina.

No entanto, quando a percepção do mercado muda e os investidores estrangeiros se retraem, a rápida desvalorização cambial intensifica a volatilidade. O gráfico abaixo mostra que o dólar se aprecia com relação a todas as moedas, mas algumas sofrem desvalorização mais intensa, como Brasil, México, Chile e Colômbia.

Observando a dimensão regional da América Latina, países com déficits fiscais persistentes e alta dívida pública tornam os investidores hiper-sensíveis a riscos de instabilidade fiscal e política, catalizando fugas de capitais e as subsequentes desvalorizações das moedas locais. Em face da vitória recente de governos progressistas na América Latina, o risco percebido por investidores tem crescido.

A crescente desigualdade de renda e de riqueza na América Latina também contribui para a volatilidade cambial. Além de limitar a capacidade da economia de absorver produtivamente o influxo de capital externo, a concentração do poder decisório dos gestores da riqueza torna as economias mais suscetíveis a flutuações cambiais. O gráfico de Robin Brooks mostra como os investidores residentes influenciam os fluxos de capitais no Brasil.

Um fenômeno recente que chamou a atenção no último Relatório Trimestral de Inflação do BC foi o avanço do hiato do câmbio de exportação, isto é, os exportadores não repatriam os dólares obtidos, mantendo-os em contas no exterior, para baratear custos operacionais e de transportes. Este valor chegou a US$ 60 bilhões nos últimos 3 anos. É mais uma fonte de pressão altista sobre o câmbio.

Finalmente, no topo deste iceberg, os fatores domésticos agudizam ou aliviam as pressões cambiais. Este é o caso brasileiro, em que a moeda parece estar sistematicamente mais depreciada do que países similares, em termos de nível de desenvolvimento. Há, de fato, alguma coisa específica ao Brasil por detrás desta desvalorização.

Neste contexto, o Banco Central poderia ter atuado para conter a depreciação. No entanto, alegou-se não falta de liquidez, o que justificaria a ação. Porém, os dados mostram outro problema. Desde 2020, o BC ampliou muito o estoque de SWAPs cambiais, o qual bateu 100 bilhões de dólares (cerca de 546 bilhões de reais) em janeiro de 2022. Desde então, o BC rola diariamente o estoque de SWAPs para manter a moeda relativamente estável.

O efeito desta soma muito elevada de SWAPs é reduzir sensivelmente as reservas líquidas do país (linha vermelha do gráfico abaixo). O BC entendeu que não fazia sentido ampliar esta exposição das reservas internacionais. Campos Neto esgotou este instrumento, protegendo o câmbio para o governo Bolsonaro e derrubando nossas reservas líquidas para perto de 220 bilhões de dólares (contra 358 bilhões de dólares de reservas brutas).

Como o poder de decisão sobre a gestão da riqueza é excessivamente concentrado em algumas dezenas de grandes bancos, fundos de investimento e de pensão, a visão de economia que estes agentes têm acaba afetando a percepção de risco dentro da economia. A minha hipótese é a seguinte: sempre que o mercado externo fica mais arriscado, os investidores residentes transferem este risco para a política econômica interna, a qual deve compensar o risco externo mais elevado com maior segurança e maiores oportunidades de retorno.

A linha amarela na figura abaixo mostra como todos os contratos incorporaram taxas mais elevadas em 03 de julho em comparação com 4 de janeiro deste ano. Isso significa pressão para o BC elevar a taxa de juros a partir de 2025.

É aqui que entra o confronto entre o governo Lula e a presidência do BC herdada do governo Bolsonaro. Desde janeiro de 2023, Campos Neto inicia ciclos de pressão sobre a política fiscal, exorbitando de suas funções como gestor do BC autônomo. O Presidente Lula reage, demarcando

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Última Atualização: 04/07/2024