A transição para um futuro mais adaptado e resiliente às mudanças climáticas passa por uma mudança de lideranças, reconhecendo o papel das mulheres na condução das transformações urgentemente necessárias. No Instituto Febre, atuamos sobre o que acreditamos ser a maior história do nosso tempo: a crise climática.

E para explorar essa história, com todas as suas nuances e camadas de forma contextual, propomos uma abordagem interseccional, que considere gênero, raça, classe e território. Tudo isso dentro da indústria da moda. A abordagem é importante, sem dúvida, e guia nossa investigação, projetos, produção teórica e comunicação. Mas sentimos que precisamos de mais, precisamos também de novas narrativas sobre o clima. 

Muitas coisas estão acontecendo e é importante pensar o jeito como as contamos. As narrativas desempenham um papel importante na formação da percepção pública e podem ajudar a fornecer um contexto que torne questões complexas mais compreensíveis e acessíveis. Assim, uma mudança na narrativa pode ser uma alavanca para promover mudanças reais. Ao dizer às pessoas com o que se importar, as narrativas impulsionam visões sobre o que consideramos certo e errado, sucesso e fracasso e, no limite, podem influenciar políticas e programas que serão implementados por tomadores de decisão. 

Igualmente importante é quem está contando. Em um mundo onde as mulheres estão à margem da liderança em governos e meios de comunicação, a produção de narrativas sobre o clima, mesmo que informada por evidências científicas, parte de um contexto de pouquíssima diversidade de perspectivas e experiências. Então, buscamos por esse outro “como” e esse outro “quem”. Isso passa por histórias que nascem de experiências descentralizadas e que nos mostrem como mulheres (principalmente as racializadas, em contextos periféricos ou vulneráveis) estão sendo impactadas pela mudança do clima – e as implicações da indústria da moda nesse cenário. 

Histórias que destacam as vivências de grupos marginalizados podem ajudar a formar um senso de coletividade e fortalecer lutas sociais. E como a mídia apresenta essas narrativas pode moldar a opinião pública. Por exemplo, o Nós mulheres da periferia, fundado por mulheres que queriam escrever e registrar histórias que não encontravam em lugar nenhum, é um site jornalístico dedicado a repercutir a opinião e a história de mulheres negras e periféricas com o compromisso de oferecer outro jeito de ver os acontecimentos no Brasil e no mundo. 

Na questão climática, cientistas passaram décadas escrevendo artigos, aconselhando governos e informando a imprensa: todos falharam. Então, qual seria o sentido de documentar, com cada vez mais detalhes, a catástrofe que enfrentamos se não estamos dispostos a fazer nada a respeito? Isso é o que questiona o grupo Scientist Rebellion. Nessa conjuntura, de que pouco – ou nada – esteja sendo feito em relação a todas as evidências já apontadas pela ciência, me pergunto se a maneira que esses dados estão sendo comunicados publicamente realmente alcançam grandes parcelas da população. 

A escritora estadunidense Rebecca Solnit defende que a crise climática é, em parte, uma crise de narrativas, onde histórias limitadas e obsoletas impedem a visão e a crença em um futuro sustentável – o que corrobora com o nosso pressuposto de que a maneira como contamos histórias influencia a percepção e a ação das pessoas em relação ao problema em questão.

Solnit argumenta que histórias bem contadas podem evocar emoções e gerar empatia ao desafiar estereótipos, promovendo uma visão mais positiva e justa sobre indivíduos ou grupos estigmatizados. Nesse sentido, se olharmos para a crise climática sob uma lente de gênero, raça, classe e território poderemos não só superar preconceitos, mas compreender as vulnerabilidades específicas e traçar estratégias que possam alcançar as mulheres ao longo da indústria da moda. 

Além disso, a escritora aponta que narrativas inspiradoras podem mobilizar as pessoas e servir como exemplos de que a mudança é possível, encorajando mais pessoas a se envolverem. Tal como demonstra a publicação “Quem precisa de justiça climática no Brasil”, que direciona o olhar para a realidade brasileira e aponta para a necessidade de compreensão sobre o que a justiça climática realmente significa a partir de vozes que protagonizam o tema no país.

Elas são mulheres negras, indígenas e quilombolas, de comunidades rurais, pesqueiras e marisqueiras, periféricas e moradoras de favelas que apresentam seus caminhos de luta, percursos de vida e atuações. Suas histórias inspiram e evocam esperança, ao mesmo tempo que geram indignação ao evidenciar as múltiplas realidades e injustiças vividas por essas pessoas.

Narrativas que carregam nova linguagem e levam em conta o conhecimento e a experiência das mulheres, inclusive das indígenas, rurais e jovens, também podem direcionar normativas ou regulamentações e significar avanços em prol de ações climáticas eficazes.

Um exemplo disso é o caso descrito na publicação “Justiça Climática Feminista”, da ONU Mulheres: “as feministas desempenharam um papel fundamental na incorporação da linguagem relacionada a gênero em pelo menos 120 decisões da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e promoveram a inclusão das mulheres nas negociações climáticas globais”. 

Tendo em vista que o combate à crise do clima deve partir de um esforço coletivo e não individual, compreender o outro e seu lugar de origem, é crucial. É preciso reconhecer a alteridade, ou seja, que existem pessoas e culturas singulares e subjetivas que pensam, agem e entendem o mundo a partir de seus próprios costumes. E isso deveria ser premissa para qualquer plano de ação climática.

No Instituo Febre, temos a crença de que as mulheres são essenciais para uma transição justa e inclusiva, de forma pragmática, dentro e for da cadeia da moda. Nós somos potência e podemos mudar as dinâmicas de poder nas instituições, na sociedade, na política e na economia ao trazer novas narrativas sobre o clima, sobre as mulheres e sobre a moda.

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Last Update: 16/03/2025