Imigrante europeu não era escravista

Por Tomás Togni Tarquíni

Esse pequeno texto contesta correntes histográficas que colocam a escravidão como o elemento definitivo que marca nossa sociedade hoje. Essa opressão escravista é considerada por muitos como uma característica própria a branquitude, como se todos brancos fossem formados na cultura escravocrata.

O período escravista tem sua importância na formação antropológica do Brasil, mas eu creio que foi superado há mais de um século pela cultura capitalista – cultura essa induzida pela imigração europeia pós abolição, imigrante que não era escravista.

O contingente de cinco milhões de europeus que entrou no Brasil após a abolição da escravidão não chegou impregnado de valores culturais escravocratas, nem tampouco os assimilou, ou os apropriou, ou fez coro com os valores da oligarquia escravista brasileira de matiz lusitana.

Mesmo sendo camponeses em sua maioria, esse contingente de europeus, antropologicamente, deixaram uma sociedade fundada numa cultura capitalista que estava presente na Europa desde os séculos XV até o XX. Eles conheciam o capitalismo de sua época.

Assim, esse discurso que pretende reinterpretar a história da escravidão no Brasil como elemento central definitivo coloca no mesmo plano a oligarquia rural escravocrata lusitana (porém, mestiça envergonhada e muito pequena em número), com os cinco milhões de europeus que aqui chegaram a partir do último decênio do século XIX já com uma cultura capitalista.

Até então, o Brasil era um país majoritariamente composto de mestiços. Somente após essa vaga de europeus que a população branca passou a ter predominância no Brasil. O chamado embranquecimento foi uma política dos escravistas de matiz lusitano, mas nunca foi a razão da vinda dos imigrantes europeus. Razões essas que não vem ao caso agora.

Essa branquitude pós abolição da escravidão não tinha cultura escravista. Ao contrário, essa branquitude desenvolveu, induziu, estimulou o capitalismo no Brasil, tal como ele existe hoje.

O Brasil se transforma radicalmente em três décadas após a Abolição. Uma análise do Censo de 1872 mostra essa transformação capitalista radical que o Brasil conheceu. 

No censo de 1872, a importância da cidade de São Paulo é insignificante. A capital paulista era menor do que Ponte Nova (MG), Santa Bárbara (MG), Campos dos Goitacazes (RJ), Santo Amaro (BA), Ouro Preto (MG), Feira de Santana (BA); Queluz, hoje Conselheiro Lafaiete (MG), Niterói (RJ), Grão Mogol (MG), Caruaru (PE), entre outras.

Em pouquíssimo tempo, São Paulo se transforma no centro do capitalismo brasileiro. Mas, não somente do capitalismo. Também das ideias sociais. Em 1917, os carcamanos fizeram as primeiras greves operárias em São Paulo. Já organizavam sindicatos e editavam jornais anarquistas em italiano. Essa população de emigrantes pós abolição não chegou aqui para fortalecer a cultura escravista. Ela contribuiu para eliminá-la. O que marca o Brasil de hoje é o capitalismo instigado pela vaga de imigrantes pós abolição.

Parte significativa dos 217 milhões de brasileiros atuais, descendentes dessa vaga migratória notadamente da primeira metade do século XX, não teve a menor relação, nem de perto nem de longe com a escravidão. É necessário fazer essa distinção. 

Tomás Togni Tarquínio – Formado em Antropologia e Prospectiva Ambiental na França. Desde 1977, trabalhou em diversas instituições francesas e europeias pioneiras sobre: energia, ecologia política, meio ambiente, decrescimento e colapso da sociedade termo-industrial. Foi Secretário do Governo do Amapá, por ocasião da execução do pioneiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA); trabalhou no MMA e Senado. Trabalhou em alguns países da América Latina e Europa.

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Last Update: 01/02/2025