O significado do retorno de Donald J. Trump no 20 de janeiro de 2025
por Daniel Afonso da Silva
Entronização de presidentes norte-americanos sempre causou sensação. A confirmação do presidente Roosevelt, em 1941, como exemplo eloquente, decidiu a sorte da alternativa nazista. A integralidade do mundo livre aguardava esse gesto. Que veio naquela entronização. Que deu início à ofensiva contra Hitler.
A conjuntura era complexa. O voluntarismo do presidente Wilson selara o desfecho da Grande Guerra em 1917-1918. Agora – após 1933 da ascensão de Hitler, 1936 da aventura fascista pela África, 1939 da subversão da Paz de Versalhes com a violação do território polonês e 1940 com a queda da França frente à Alemanha – os Estados Unidos eram, novamente, mobilizados à condição de salvador. Malgrado o seu isolacionismo.
Era um empilhamento de reflexos fortes. Que a debacle francesa agudizou. Pois foi depois dela que o primeiro-ministro britânico atravessou o Atlântico para clamar auxílio ao locatário da Casa Branca. Que tinha as mãos atadas pois a opinião pública norte-americana era indiferente ao sofrimento dos europeus.
O drama de 1917-1918, do envio de tropas à Europa, ainda atormentava o imaginário de gerações. As crises dos anos de 1920 ainda eram percebidas. A tragédia de 1929 também. De maneira que o New Deal do presidente Roosevelt depois de 1933 tinha por atributo nuclear o isolacionismo. Que informava que aventuras internacionais nem pensar. Regressar à Europa, menos ainda.
Mas a queda francesa começou a modificar impressões. A intelligentsia norte-americana balançou. Pessoas bem educadas também. Especialmente da classe política. Que tinha perfeita noção do sinistro causado pelo Reich, que fazia sangrar a democracia e o Ocidente.
De toda sorte, sob o temor das urnas, o presidente Roosevelt manteve-se acanhado até a sua nova vitória em novembro de 1940 e a sua recondução ao cargo em inícios do ano seguinte.
E somente em sua nova posse que ações de solidariedade concreta aos europeus começaram a surgir.
Evidentemente que o incidente de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, modificaria decisivamente o humor de todos os norte-americanos sobre a guerra. Mas, por exemplo, a Carta do Atlântico ocorreu bem antes.
A posse do presidente Kennedy em 1961 também baralhou emoções e impulsionou expectativas. Pela jovialidade dos novos locatários da Casa Branca. Mas essencialmente pelo seu arejamento.
A presidência Kennedy era a primeira determinadamente descompromissada com as guerras totais e focada na Guerra Fria. Que seguia a todo vapor. Com os soviéticos e liberais demarcando o mundo inteiro.
O presidente Reagan, vinte anos depois, em janeiro de 1981, produziu comoção similar. Sangue novo, novo ânimo. Após Watergate e o fracassado período Carter. Aquele do malaise, da impotência e do tempo feio entre os norte-americanos.
Reagan – como Wilson e Roosevelt – era a marca do sonho americano. Como, adiante, seria o presidente Obama e o próprio Trump.
O frescor da segunda entronização de Trump dias atrás pode causar vertigem. Muita informação, imagem, avaliação. Na média, apenas duas compreensões. Uma entusiasta e outro contrária ao novo presidente norte-americano.
Numa dualidade quase maniqueísta. Típica da cobertura desse tipo de acontecimento. Afinal, após o juramento, subitamente, o cidadão eleito torna-se o cidadão mais politicamente relevante do planeta.
E foi exatamente isso que ocorreu, novamente, com Trump na segunda-feira, 20 de janeiro de 2025.
Mas, claro, com peculiaridades.
A primeira, seguramente, envolvendo a personagem Trump.
Goste-se ou não, ninguém foi paralelamente mais hostilizado e, ao mesmo tempo, mais endeusado e mitificado que ele em praticamente toda história de eleições democráticas em todos os tempos. Impressionante.
Não vem ao caso uma recomposição – por mais breve que possa ser – do Armagedon judicial vivido por ele desde 2020. Do lado oposto, vai também desnecessária uma problematização maior sobre a natureza desesperada daqueles que ocuparam o Capitólio em 2021 ou seguiram desejando, quase carnalmente, o seu retorno desde então.
Seguro foi que o seu retorno à Casa Branca pelas urnas e como se deu promoveu uma derrota acachapante, esmagadora e humilhante ao conjunto de seus adversários, oponentes e inimigos.
Também não vem ao caso retomar detalhes. O partido democrata, para dizer rápido, perdeu todos os seus eixos – e, quem sabe, até a sua razão de existir. O judiciário do país mais importante do mundo saiu avariado. A imprensa mainstream então nem se fale. Todos contra Trump e todos derrotados por Trump.
Como resultado, a efeméride da posse no 20 de janeiro produziu situação singular. Notavelmente em sua violência. Inicialmente simbólica. Em seguida, estética. E, por fim, concreta.
Nenhum presidente norte-americano, em qualquer época, realizou exposições tão desconcertantes. Biden, Obama e Bush presentes ficaram rubros diante de tamanha demonstração força. Tudo sintetizado na expressão Golden Age.
A tópica da Golden Age, reconheça-se, foi muito mais agressiva que o mantra MAGA – Make America Great Again. Mesmo os ouvidos mais moucos do establishment norte-americano ficaram aturdidos. Fora dos Estados Unidos, Golden Age soou como aquele 1945-1955, quando os norte-americanos, mediante custos imensos, impuseram ao mundo inteiro a American Order transvestida de New World Order e suavizada pelo United Nations Order.
Dito sem meias palavras, o significado do retorno de Donald J. Trump no 20 de janeiro de 2025 lastreado nessa nova perspectiva de Golden Age trouxe novidade muito mais desconcertante que a quase centena de decretos assinados após a posse.
Os decretos disseram muito, mas não tudo. Ou melhor, quase nada. Foram decisões, em muito, previsíveis. Desde o arrocho aos imigrantes até as regressões climáticas.
Mas Golden Age vai muito além. Muito além do America First e muito próximo da truculência dos tempos de Truman e Eisenhower. Tempos sombrios. Talvez mais turbulentos que as previsões.
Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor de “Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas”.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “