O indiciamento do neofascista Jair Bolsonaro e de três dezenas e meia de integrantes de sua organização criminosa por articulações golpistas, incluindo um macabro plano de assassinato de altas autoridades da República, é um avanço. Demonstra o vigor da democracia e do funcionamento pleno das instituições no País. É inadmissível, em pleno século XXI, tentativas de violações da ordem constitucional e de desmonte das instituições e da democracia.
O abominável movimento golpista está inextricavelmente ligado à depredação terrorista das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, por hordas de vândalos estimulados pelo bolsonarismo. Em ambos os casos, é inaceitável o Projeto de Lei 2.858, que concede anistia a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional de 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor da lei.
Ações criminosas antidemocráticas, com impunidade, abrem brechas perigosas para futuras tentativas de desestabilização. A violência contra os representantes do povo, incluindo tentativas de assassinato, integra um projeto mais amplo de desmonte das instituições e da democracia. Em dezembro de 2022, hordas bolsonaristas incendiaram carros e ônibus em Brasília, atacaram a sede da Polícia Federal, e um terrorista apoiador do ex-capitão tentou explodir um caminhão-tanque no aeroporto da capital. Todos os casos têm uma mesma marca: terrorismo e tentativa de golpe de Estado. E devem ser tratados com a seriedade e a urgência exigidas.
É estarrecedor o fato de ter havido tentativa de assassinato do então presidente eleito, Lula, do seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Uma afronta ao povo brasileiro, que elegeu Lula de forma democrática por um sistema eleitoral seguro. Para o Brasil seguir como nação respeitável, livre, democrática, onde os princípios do Estado de Direito sejam a base de uma sociedade moderna e tolerante, é preciso haver punição rigorosa dos responsáveis pelos fatos sombrios que vivenciamos há dois anos, cujos contornos agora aparecem claramente no relatório da Polícia Federal.
Soa como pesadelo a constatação de que tivemos, durante quatro anos, uma verdadeira quadrilha instalada no Palácio do Planalto, montada para fraudar eleições, assassinar autoridades, disseminar o negacionismo, o ódio e o desprezo à vida, e tentar impor uma nova ditadura ao País. O minucioso relatório da PF, depois de quase dois anos de investigações, não deixa dúvida de que a malta golpista e terrorista merece punição, jamais anistia.
Não aprenderam nada com a história, agiram com visão ultrapassada de 50 anos atrás, quando o Brasil, tristemente, vivia sob uma ditadura sanguinária. Com o fim do regime em 1985, depois de 21 anos de governo militar, esperávamos que a profissionalização das Forças Armadas fosse um processo irreversível, com compromissos com o País, a estabilidade, a democracia e a Constituição. Infelizmente, saudosos dos anos de chumbo saíram de suas tocas durante o governo Bolsonaro.
Uma quadrilha estava instalada no Palácio do Planalto
Entre os indiciados há militares de alta patente que desonraram as Forças Armadas: o ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, o general Mário Fernandes, um dos planejadores do assassinato de Lula, de Alckmin e de Moraes, o ex-ministro da Defesa e vice de Bolsonaro, general Braga Netto, que reuniu em sua casa os Kids Pretos que tocaiariam o ministro do STF, e o ex-chefe do GSI, general Augusto Heleno, que chefiaria a pretensa junta militar do golpe para garantir a ditadura de Bolsonaro.
No meio da trama golpista e corrupta está Jair Bolsonaro, que, ao contrário do Rei Midas, faz apodrecer tudo no seu entorno, como políticos e governadores que se associaram a ele na empreitada antinacional, com um projeto negacionista e entreguista. Se nos anos de 1980 o ex-capitão tentou explodir quartéis para obter aumento dos soldos, 40 anos depois ele continua com sua sanha terrorista, como vimos agora, tentando torpedear a democracia. Ele e seus cúmplices ainda continuam a espalhar mentiras contra Lula, o STF e as instituições, ao mesmo tempo que, descaradamente, pedem um perdão imoral para os condenados de 8 de janeiro e uma anistia prévia, inclusive para si.
Por isso, a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e o líder do PT na Câmara dos Deputados, Odair Cunha, apresentaram requerimento ao presidente da Câmara, Arthur Lira, para que seja arquivado o Projeto de Lei 2.858, que prevê anistia aos condenados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e aos demais envolvidos na conspirata. Manter a tramitação do projeto, apoiado por parlamentares bolsonaristas, é inoportuno e inconveniente para o processo democrático e a paz nacional. O recente atentado a bomba contra a sede do STF e as conclusões da PF no inquérito do 8 de Janeiro, revelando os planos de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes, servem de alerta. Demonstram a gravíssima trama criminosa dos chefes do golpe, que poderiam vir a beneficiar-se da anistia proposta.
A perspectiva de perdão ou impunidade dos envolvidos estimula indivíduos ou grupos extremistas de direita a agir contra a democracia. Os fatos demonstram que Bolsonaro foi mentor e defensor do golpe, tolerou a ação de grupos radicais e endossou atividades voltadas à destruição do Estado Democrático de Direito. O plano de assassinato agora revelado faz parte de uma estratégia que contemplava seu projeto pessoal de poder, com base em métodos criminosos. Portanto, a impunidade tornar-se-ia um poderoso estímulo à radicalização extremista de indivíduos ou grupos organizados em torno da ideologia que inspirou as ações terroristas de 8 de janeiro de 2023.
Golpismo nunca mais. Anistia em hipótese alguma. •
*Deputado federal do PT pelo Rio de Janeiro e vice-líder da Maioria no Congresso.
Publicado na edição n° 1339 de CartaCapital, em 04 de dezembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Anistia, não’