Morreu na sexta-feira (26) o xilogravurista, cordelista e poeta João Batista, aos 88 anos de idade. O artista estava em sua casa, em Bezerros, e faleceu de causas naturais, segundo informações da própria família.

João Batista foi, sem dúvidas e reconhecidamente, um dos maiores mestres da xilogravura brasileira. Nascido no agreste pernambucano, na mesma cidade em que cresceu e viveu a vida toda, João Batista começou a trabalhar desde cedo. Trabalhou com jogo do bicho, confeccionou cestas e balaios, móveis e brinquedos, lajes e tijolos. Frequentou brevemente a escola por um ano, quando tinha 12 anos, o suficiente para aprender a ler e fazer algumas contas. Ou seja, nunca teve instrução formal.

Autodidata, João Batista cultivava em si uma admiração pela leitura e pela cultura popular. E como uma flor de cacto que nasce no sertão, brotava no seu peito uma paixão pela poesia. “A região nordeste está encravada de poesia. Até a situação da terra, com a seca ou a chuva, atrai o sentimento.” Adorava contar causos e reproduzir histórias que viu ou que ouviu contar.

Foi em 1956 que João Batista comprou seu primeiro lote de folhetos para escrever seu primeiro livreto: “O encontro de dois vaqueiros no sertão de Petrolina”, ilustrado por Dila, de Caruaru. Segundo o próprio João Batista, foram vendidos “cinco milheiros de muita sorte”. Os bons resultados de seu primeiro lançamento incentivaram João Batista a dedicar-se integralmente àquilo que amava. E pouco tempo depois lançou “O verdadeiro aviso de Frei Damião sobre os castigos que vêm”. Por economia, entalhou ele próprio em uma colher de madeira de jenipapo a fachada da igreja de Bezerros. A peça permanece exposta em seu ateliê como lembrança do início de sua carreira como xilogravador.

O forró dos bichos, de João Batista

Do cordel à xilogravura como arte

Trabalhando como folheteiro, em pouco tempo João Batista já dispunha de máquinas tipográficas e passou também a ser editor de folhetos. Nos anos 1970, por encomenda de um professor universitário de Recife, João Batista produziu duas obras em tamanhos maiores do que comumente se usa nos cordéis. Pouco tempo depois, por intermédio do folheteiro Olegário Fernandes de Caruaru, produziu outras duas gravuras para Ivan Marquetti, artista plástico do Rio de Janeiro, com os temas de Bumba-meu-boi e do Cavalo marinho (dança).

Vale mencionar que nessa mesma época, em outubro de 1970, no Pátio São Pedro, Ariano Suassuna lançava formalmente seu movimento Armorial. De caráter romântico e em alguma medida até um pouco conservador, o movimento buscava produzir arte erudita genuinamente nordestina a partir de elementos da “cultura popular”. Esse movimento encontrou justamente em João Batista uma produção frutífera.

O monstro do sertão, de João Batista

Seus temas e emblemas

João Batista foi um artista profícuo e permaneceu ativo até suas últimas semanas. Seus temas vão desde os escolhidos pelos clientes comerciais até às demandas do mercado de arte. Ilustrou capas de importantes nomes da literatura como Eduardo Galeano (“As palavras andantes”), José Saramago (“O lagarto”) e uma edição comemorativa de “Dom Quixote”, de Miguel Cervantes.

Suas obras passam por temas corriqueiros e cotidianos como feiras, mudanças e natureza, passando pela realidade social do sertão, como no caso do cangaço e das festas populares, até assuntos religiosos e outros fantásticos. Muito próximos aos temas dos cordéis como “O forró dos bichos”, “O monstro do sertão”, “A mulher que botou o diabo na garrafa” e “A chegada da prostituta no céu”. A separação entre o real e o fantástico, aliás, nunca encontrou em João Batista um aliado.

Fascinado pelas aventuras e pelo mistério, tal como nas temáticas dos cordéis, suas obras refletem bem a disputa entre o bem e o mal, entra a natureza e o humano, entre o divino e o profano, refletindo assim, na distorção de um espelho fantástico, a vida no agreste e sertão pernambucano tal como os próprios sertanejos a veem.

Outra que não encontrou no xilogravurista um aliado foi a exclusividade. João Batista era um entusiasta da arte que praticava. Sempre ministrou cursos e manteve abertas as portas de seu ateliê, à beira da BR-232, a rodovia Luiz Gonzaga, onde recebia clientes, turistas e admiradores. Acabou formando, assim, gerações de xilogravuristas. Além dos trabalhadores de seu ateliê, a família João Batista toda acabou se especializando na arte, como é o caso de seus filhos Pablo e Bacaro João Batista.

Capa do cordel “A mulher que botou o diabo na garrafa”, de João Batista

Seu legado

João Batista foi um artista popular? Provavelmente é o que dirão em sua memória. Talvez alguns o chamem de naif, pela pouca instrução e autodidatismo. Outros, talvez, um “artista regional”. Mas nesta breve notícia-homenagem, gostaria de dizer que essas definições e fronteiras talvez não se apliquem aos artistas da natureza de João Batista.

O já mencionado Eduardo Galeano, em seu poema “Os ninguéms”, diz que esses são os “Que não fazem arte, fazem artesanato. / […] / Que não têm cultura, têm folclore”. Mas a beleza em ser um ninguém é poder ser também um pouco todo mundo. E no seu bom humor e na paixão pelos causos João Batista tinha, com certeza, um pouco de todo pernambucano.

Suas obras foram rapidamente incorporadas em todos os lugares e não há uma loja de souvenirs no estado que não tenha uma reprodução de uma obra sua. Ao lado de outros mestres como o escultor Vitalino, é impossível imaginar Pernambuco sem passar pela sua obra. Suas gravuras permanecem no imaginário popular.

João Batista foi, simplesmente, Artista.

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Última Atualização: 26/07/2024