A grama do vizinho é mais intensa

por Luís Silva

Como é costume nos tempos atuais, antes mesmo de entender exatamente o que havia acontecido, estavam disponíveis repercussões e projeções, muitas peremptórias, sobre o ataque a Donald Trump.

Obviamente, a mais definitiva era o vaticínio a respeito da volta ao poder do republicano: do balcão da padaria ao ponto de ônibus, do almoço com os colegas de trabalho ao momento íntimo de passar o dedo na tela do smartphone, o “agora já ganhou” era, e continua sendo, praticamente uma unanimidade.

Porém, depois das inevitáveis análises e dos inevitáveis julgamentos, algumas mentes começaram a fazer a constatação óbvia: o “agora já ganhou” era uma realidade muito antes de o mundo pronunciar pela primeira vez o nome de Thomas Matthew Crooks.

Da mesma forma que se espera do ladrão que roube, pois esta é a sua vocação, não precisamos de erudição para prever que o séquito de Trump, especialmente para além dos canais oficiais de comunicação, irá capitalizar até o fim o ataque em seu favor, destacando os valores de resistência, força, liderança e sacrifício pelo povo dos Estados Unidos.

E mais: tudo isso simbolizado numa foto que já é a imagem do ano, numa releitura tanto de Marianne guiando o povo francês em busca da liberdade quanto dos soldados americanos em Iwo Jima.

Está pronta e já repercute a narrativa da superioridade do candidato que passa ileso por um ataque de AR-15 contra o concorrente senil que tropeça em um saco de areia ou uma escada de avião. E cai.

Alterando um pouco o velho provérbio, a grama do vizinho é cada vez mais intensa (nos Estados Unidos, intensa é a cor dos republicanos; os democratas são identificados como azuis).

Constatado o fato, vem outra pergunta, também óbvia: e o que as forças progressistas – ou, no mínimo, democráticas – vão fazer com esta constatação? Quais serão as atitudes para abrir os olhos do etéreo americano médio que quer não muito além de emprego e paz – a dele, não a mundial; não entende e não quer entender sobre minorias e identidades, a não ser a própria?

Talvez o ataque dê a Trump o apoio de um contingente marginal de eleitores indecisos ou politicamente anestesiados, mas sabe-se desde 2016 o tamanho de suas hostes.

E a curva é ascendente.

Não se pode dizer o mesmo da curva da confiabilidade dos fundamentos democráticos da sociedade americana, o que não é culpa só de Trump.

Enquanto isso, o lado azul apenas se lamenta, boquiaberto e estupefato, lê o editorial do New York Times, ouve as ponderações de George Clooney e vê o tempo passar.

Luís Silva é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.

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Última Atualização: 17/07/2024